quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Uma pequena pausa para um reconhecimento merecido

As coisas às vezes mudam, às vezes não. Em alguns lugares elas podem mudar, em outros não. Não é possível que mudanças ocorram sempre e em todos os lugares, mas é preciso persegui-las, em todos os lugares e tempos.

Faço uma pausa na minha prometida série sobre os conflitos escolares para dar o devido reconhecimento à iniciativa do novo Secretário da Educação de SP, Herman Voorwald, de discutir os problemas da rede antes de sair por aí dando canetadas, como tem sido a práxis dessa secretaria na era tucana (16 longos anos...).

Transcrevo abaixo matéria publicada no site da secretaria e, abaixo dela, teço alguns comentários sobre essa iniciativa do ponto de vista de quem será parte dos "consultados".

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Quinta- feira, 17 de fevereiro de 2011 16h00
Secretário e rede iniciam discussões sobre progressão
continuada e reforço escolar
Primeira reunião do ciclo de debates, realizada em Guarulhos,
reuniu professores e profissionais envolvidos no processo de
alfabetização na região para debater reestruturação do
Ensino Fundamental e Médio
Está para começar a quarta reunião do secretário de Estado da Educação, professor Herman Voorwald, com 400 representantes de servidores da Educação. A série de encontros com profissionais da rede estadual de educação tem o objetivo de debater a proposta de Reorganização dos Ensinos Fundamental e Médio. Ao longo do dia, o secretário terá apresentado o modelo a cerca de 1600 integrantes das categorias dos professores, diretores de escolas e de supervisores das regiões de Guarulhos (Norte e Sul), Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes e Suzano. Pela manhã, o debate contou com a presença de professores e dirigentes de ensino.
“Sabemos que é uma missão praticamente impossível falar com todos os servidores da rede, mas temos o compromisso de visitar todos os pólos do Estado e ouvir o maior número possível de educadores. A diretriz dessa gestão é envolver as pessoas e consolidar democraticamente a política educacional no Estado. Educação é isso: traçar uma estratégia, dialogar e trabalhar coletivamente para chegar aos objetivos traçados", destacou o secretário de Estado da Educação, professor Herman Voorwald.
Todas as regiões do Estado serão visitadas. O objetivo principal dos encontros é apresentar ideias e, principalmente, ouvir as sugestões e colher contribuições dos educadores da rede, para melhorar a educação de São Paulo.
Reorganização dos ciclos de progressão continuada
A proposta apresentada pela Secretaria de Estado da Educação visa alterar o atual modelo de progressão continuada de forma a permitir que os alunos aprendam os conteúdos sem sofrer defasagem no ensino. Para isso, são considerados pontos fundamentais como a avaliação contínua e a recuperação constante por meio de aulas de reforço durante o ano letivo.
“A questão da avaliação é mais importante que os ciclos, sejam eles quais forem. Diagnosticar e permitir um modelo de recuperação contínua dos conteúdos que o aluno não adquiriu no decorrer do ano é a maneira correta de garantir a formação, mas um desafio imenso em uma rede tão grande quanto a do Estado de São Paulo”, diz o secretário adjunto de Educação, João Cardoso Palma Filho.
No modelo apresentado pela SEE, seria realizada a reorganização dos ciclos de progressão continuada do Ensino Fundamental em três, sendo o primeiro com duração de três anos (para alunos com 6, 7 e 8 anos de idade); o segundo com duração de dois anos (9 e 10 anos de idade) e o terceiro com quatro anos de duração (11 aos 14 anos de idade).
Com a reorganização, ao final de cada bimestre será realizada uma avaliação do aprendizado conduzida pela própria escola, com orientação da equipe de Supervisão da Diretoria de Ensino. Aos alunos com defasagem no aprendizado, serão obrigatoriamente oferecidos estudos de recuperação, a serem estruturados de acordo com as condições de cada escola.
A recuperação pode ocorrer no contraturno escolar nas unidades de ensino em que houver salas disponíveis. Nas escolas sem disponibilidade de espaço, elas podem ocorrer em períodos previamente agendados: uma das propostas prevê, para estes casos, uma pausa no ciclo regular de aulas (que pode ser de uma semana) para que os alunos com dificuldade de aprendizado realizem as aulas de recuperação dos conteúdos. Neste caso, aos alunos que tiverem desempenho adequado serão oferecidas oportunidades de diversificação curricular.
"Alguns dos pontos críticos no processo de recuperação do aprendizado dos alunos em defasagem é exatamente a falta de espaços físicos, assim como a mobilidade de corpo docente, que devem ser solucionados com a implantação do modelo sugerido", acredita. 
Reforço escolar
Outra ideia em discussão é a criação de escolas-pólos para atividades de reforço escolar, que receberiam alunos de escolas vizinhas. Nesse caso, seria oferecido também o transporte escolar. “São todas ideias que queremos discutir, democraticamente, em reuniões em todo o estado, até encontrarmos o melhor modelo para aperfeiçoar a progressão continuada”, diz o secretário da educação. “A proposta pedagógica de cada escola poderá criar outros mecanismos para oferta de estudos de recuperação. O importante é que eles aconteçam”, completa Herman Voorwald.
Ao final de cada ciclo de aprendizagem, os alunos que ainda apresentarem defasagens de conteúdos serão encaminhados para o reforço intensivo de aprendizagem, em salas especiais que contarão com professores especialmente qualificados e materiais didáticos específicos. Outra proposta é a criação da figura do “professor de apoio”, que transite entre diversas classes para melhorar o aproveitamento dos alunos.
A escola poderá entender, ao final dos esforços de recuperação, que o estudante com defasagem pode ser matriculado no ciclo seguinte, desde que no contraturno, para que curse obrigatoriamente os conteúdos para os quais foi considerado em defasagem. Não havendo essa possibilidade, o aluno será considerado retido. Outra proposta da Secretaria é que, sempre que possível, o mesmo professor acompanhe a turma ao longo de todo o ciclo.
Participação dos professores
Representante dos professores no encontro, Claudia Cristina Mario dos Santos, da Escola Estadual Vila Ercilia Algarve, da região de Itaquaquecetuba, acredita que o modelo altera o formato atual, mais próximo a um modelo de aprovação automática, para dar forma a um programa que gere de fato a progressão continuada.
"Acreditamos que os alunos podem aprender em ciclos contínuos e não queremos aprovar automaticamente um aluno que não aprendeu. Permitir que ele desenvolva conhecimentos, mesmo que em ciclos progressivos, também é objetivo dos professores comprometidos com o ensino público paulista".
Durante a reunião, Claudia apresentou um documento formulado a partir de sugestões de educadores das Diretorias de Ensino da Região Metropolitana. Nele, os professores opinaram sobre quais programas e projetos têm dado mais certo na rede, quais precisam ser melhorados e sugeriram mudanças. A expansão de programas como o Ler e Escrever e São Paulo Faz Escola, além do Cultura é Currículo, Escola da Família e Acessa Escola, todos bastante elogiados, ganhou destaque. Além disso, propostas de revisão salarial, plano de carreira e valorização foram discutidos. O documento será encaminhado para a Secretaria de Educação e debatido também com a participação da rede.
(fonte: SEE-SP, http://www.educacao.sp.gov.br/, visitado em 22/02/2011)
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Pois bem, vamos aos fatos: porque a progressão continuada paulista, vulgarmente conhecida como "aprovação automática", fracassou tão vergonhosamente? Resposta simples: porque nunca existiu fora do papel!

Aprovar ou reprovar alunos não contribui para a aprendizagem, sejam essas aprovações ou reprovações automáticas ou continuadas. O que torna a aprendizagem eficaz são os métodos empregados para tal.

Antes da "aprovação automática" nós tínhamos a "reprovação continuada" e isso era também péssimo. Então trocamos o péssimo pelo horrível, e acabamos ficando na mesma sem ter nunca nos preocupado em resolver o verdadeiro problema: o método!

Mas, afinal de contas, que método é esse que parece ser algum tipo de conhecimento sagrado e por todos desconhecido? Seria coisa de primeiro mundo? Algo sobrenatural? Não, nada disso. A maioria dos educadores que não compraram seus diplomas em faculdades vagabundas de final de semana e nem escolheram se encostar em uma cargo meia-boca em alguma DE ou nos porões da Secretaria, qualquer educador de verdade sabe que método é esse e como implementá-lo.

Vamos rever alguns pontos:
  1. A aprendizagem é sempre individual, mas o ensino é coletivo. Para uma boa aprendizagem é necessário que o ensino se aproxime tanto quanto possível da relação um-para-um entre professor e aluno. O que isso significa? Significa classes pequenas! E porque elas não existem? Porque isso demanda mais professores, aumento na folha de pagamento e no tamanho da estrutura educacional do Estado. O Estado deseja isso? Não! O Estado deseja construir estradas e pedágios, pontes e viadutos, etc. e etc., menos investir na Educação. Educação tem sido vista pelos tucanos (e outros bichos) como gasto e não como investimento. Nossos políticos talvez não estejam preparados para enxergarem a Educação como o maior patrimônio que podem deixar como legado.
  2. Para o aluno aprender ele precisa estar motivado. O elemento motivador mais próximo do aluno é o professor. Então porque ele não motiva esse aluno? Oras, porque ele mesmo está desmotivado! Após décadas de depreciação (menores salários, piores condições de trabalho, culpabilização pelo fracasso do sistema educacional, escassez de recursos físicos e mesmo intelectuais) esse profissional acabou "deixando de ser profissional". Embora ainda restem professores dispostos a ensinar e a despertar no aluno o interesse pela aprendizagem, esses constituem uma minoria dentre a chamada "categoria". O processo de "profissionalização do professor", que hoje encara a escola como um "bico desgraçado de ruim", começa por sua motivação (recuperação de salários, melhores condições de trabalho, formações continuadas efetivas - e não apenas enganações via videoconferências - plano de carreira e uma campanha de revalorização de sua imagem). E porque isso não é feito? Porque o Estado não vê a necessidade de um "profissional de alta qualidade" dentro da sala de aula; o Estado vê o professor como uma espécie de "operário desqualificado" exercendo uma função puramente mecânica e dispensável (e o trata como tal quando não está nos palanques). Se aluno pagasse pedágio para entrar na aula de um bom professor, certamente o Estado se preocuparia mais em ter bons professores. Revalorizar o professor requer investimentos pesados e contínuos mas, acima de tudo, requer que os políticos tenham inteligência (visão de futuro, postura de estadista, ética e honestidade de propósitos). Talvez estejamos desde sempre politicamente descapitalizados...
  3. O aluno constrói seu conhecimento por etapas. E é aí que a "aprovação automática" fracassou. Enquanto o discurso da progressão continuada tem como meta essa aprendizagem por etapas contínuas, e se horroriza com truncagens e reversões para etapas anteriores (estou falando das reprovações), a "aprovação automática" ignora essas etapas de aprendizagem e transforma alunos em "pererecas saltitantes", que vão de analfabetos na primeira série para diplomados analfabetos no terceiro colegial, pulando e queimando todas as etapas de aprendizagem pelo tortuoso caminho de 12 anos saltitando sem parar. O ensino seriado foi pensado como uma estrutura em etapas anuais. Nas universidades essas etapas são por vezes semestrais. Seja lá qual for o período de uma etapa, não conseguir ultrapassá-la deve sim ser um impedimento para o prosseguimento na próxima etapa. Mas a quem cabe estabelecer essas etapas? Teoricamente deveríamos ser capazes de avaliar isso na escola e não na ponta da caneta de algum burocrata (por mais titulado que seja). As etapas anuais do ensino seriado moldaram toda a dinâmica do ensino brasileiro desde sempre (vieram da europa com os jesuítas!). Mudá-las para ciclos maiores é um acochambramento para melhorar as estatísticas de fluxo escolar, não é uma atitude pedagogicamente sustentável (como não são sustentáveis pedagogicamente os ciclos anuais). Mais correto seria encurtá-las para períodos bimestrais (mensais, semanais, diários...); mas isso demanda a modiciação de toda a estrutura educacional e, portanto, não ocorrerá.
  4. Quanto menor a etapa de aprendizagem avaliada, mais fácil é ajudar o aluno a vencê-la! Recuperações bimestrais, como proposto agora pela Secretaria, seriam muito bem vindas se significassem que o aluno de fato terá novas oportunidades de aprendizagem, e não que apenas terá que passar por um processo fictício onde, ao fim e ao cabo, será promovido à próxima etapa, seja lá qual for o resultado obtido. Na verdade essas recuperações deveriam ser diárias. Porque não existem então? Porque "não há tempo nem condições" de executá-las dentro do modelo de aulas que temos nas escolas. Divaga na emulsão de óleo e gemas ("viaja na maionese") aquele que sonha que um professor com duas aulas semanais no Ensino Médio, lecionando para 40 alunos totalmente defasados e dispondo de giz e lousa poderá, por absoluta mágica, acompanhar individualmente seus alunos, avaliá-los a cada aula e promover atividades de recuperação, tantas quantas necessárias, de forma eficaz. Isso nunca vai existir enquanto o sistema educacional não mudar estruturalmente.
  5. A escola é parte da vida e não uma etapa descolada dela. Por fim, embora queiramos oferecer um ensino de qualidade para todos, isso não significa que conseguiremos que todos aprendam com a mesma "qualidade, quantidade e homogeneidade"; e, saber disso e trabalhar focado nisso pode fazer toda a diferença! As pessoas não são iguais, não têm vidas e histórias iguais, não vivem nas mesmas condições sócio-econômicas e culturais, não tem os mesmos sonhos e perspectivas. É absurdo uma escola que "queira tornar todos iguais", embora seja ainda mais absurdo não termos uma escola que seja "igual para todos", como a escola atual. Daí a necessidade de currículos diferenciados; de autonomia da própria unidade escolar na gestão do seu currículo; de ofertas distintas de formação; de programas de apoio que ofereçam diferenciações para alunos com diferentes perspectivas, etc. Mas, de novo, esbarramos no apertado túnel mental dos políticos e na sua falta de "capacidade de gestão e visão". Tudo isso é muito difícil para mentes pequenas e almas menores ainda.
Eu prezo muito a iniciativa do Sr. Secretário, e mais uma vez parabenizo-o por tal, mas sinceramente não creio que ele, mesmo sabendo as respostas corretas, possa tomar as decisões necessárias para iniciar uma "revolução" na escola paulista. Infelizmente, quando a poeira baixar, creio que cada pedra estará ainda em seu lugar e, ao fim e ao cabo, "All in all it's just another brick in the wall".


E você? O que pensa disso?
Se quiser, use o espaço dos "Comentários" e deixe sua opinião.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Escola Pública - Território de conflitos - parte 1

Conflitos inerentes à usurpação da autonomia

Ano novo, vida nova. Só a escola continua a mesma. O tempo na escola é contado em "eras geológicas", e ainda estamos no paleozóico (época dos grandes dinossauros). A escola é um grande dinossauro que não evoluiu, mas talvez tenha retrogredido, e caminha agonizante rumo à extinção, salvo ocorra alguma grande mutação, talvez política, talvez social, que lhe dê novas habilidades e competências que lhe permitam sobreviver nesse novo ecossistema econômico e social da contemporaneidade.

Na rede pública paulista retomamos os trabalhos "letivos" nessa última quarta-feira, 08/02. Como em todos os últimos anos de que me lembro, os dois primeiros dias letivos são destinados a um pseudo-planejamento. Na teoria, e no calendário oficial, foram dois dias para planejar o ano letivo, discutir os projetos que serão desenvolvidos na escola e traçar as metas de ensino, as estratégias didático-pedagógicas e um plano  de trabalho coletivo e integrado que atenda aos pressupostos do projeto político-pedagógico da escola. Em teoria também seria a época dos professores estabelecerem os seus planejamentos anuais, os projetos pedagógicos de suas disciplinas, os projetos interdisciplinares de cada área e os projetos transdisciplinares.

Em tese deveríamos ter abordado diversos temas relevantes e de interesse para a melhoria da qualidade do ensino na escola. Mas apenas em tese. Da mesma forma como, em tese, a escola teria autonomia para traçar suas próprias metas e definir as estratégias pelas quais pretende atingi-las. O que mais impressiona na escola pública é a forma como as teorias, teses e "discursos" ocupam o espaço real da ação e desvirtuam a escola, tornando-a uma espécie de "academia às avessas", onde produz-se papel inútil e "encomendado" em detrimento de um trabalho efetivo e focado verdadeiramente na escola e suas reais necessidades.

Na pratica o discurso da gestão (entenda-se direção/coordenação lendo as determinações recebidas da Diretoria de Ensino) é sempre o mesmo discurso do "nos mandaram dizer que vocês tem que fazer...", e ponto final. Para um ET que apareça desavisado a uma dessas reuniões de planejamento  de início de ano parecerá que a escola é um organismo estúpido, incapaz de auto-gestão, incompetente para ter autonomia quanto as suas próprias práticas e objetivos. Mas, pensando bem, não é preciso ser um ET para ter essa percepção, e ainda existe a possibilidade de que a escola seja mesmo tão estúpida e incapaz quanto lhe imaginam aqueles que a abandoram para ocupar cargos "mais elevados", onde a vida se resume a produzir e reproduzir papéis inúteis.

Os conflitos que caracterizam a escola pública, e sobre os quais pretendo dar ênfase ao longo dos relatos desse ano letivo que se inicia, já começam no antagonismo entre o que diz a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e a forma como chegam aos gestores e docentes as determinações impostas pelas Diretorias de Ensino, vindas, ao fim e ao cabo, da própria Secretaria da Educação. É incerto o papel dos técnicos, dirigentes, supervisores e PCOPs (Professores Coordenadores das Oficinas Pedagógicas - que teoricamente seriam encarregados do suporte pedagógico aos Professores Coordenados das unidades escolares, os PCs), visto que nenhum deles assume nenhuma responsabilidade pelas "instruções que repassam". O certo é que nessa Torre de Babel, ou de papel, ninguém parece saber porque está fazendo aquilo que faz.

A LDB, no item III do seu artigo 3º, estabele o "pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas"; no artigo 12º, item I, diz que cabe à escola "elaborar e executar sua proposta pedagógica" e, ainda; no artigo 13º, item I, afirma caber ao professor "participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino" (some-se a isso ainda o artigo 14º, item I, e o artigo 15º). Assim, a LDB deixa claro a autonomia e a responsabilidade da escola (gestão e corpo docente, com a participação da comunidade de pais e alunos) quanto ao seu papel na auto-gestão pedagógica e administrativa de cada unidade escolar.

Nada dessa autonomia se vê na escola. O Governo do Estado de São Paulo imagina que "inventou um currículo que antes não existia" (céus, durante décadas as escolas funcionaram sem um currículo???!!!) e que, com isso, "seus problemas se acabaram-se". As DEs, por meio de seu pessoal técnico-pedagógico, imaginam que "aplicar o currículo" seja utilizar os Cadernos do Aluno (e do Professor) fornecidos pela SEE, como se elas fossem "apostilas de cursinho". Os coordenadores pedagógicos das escolas entendem que sua função seja a de servir apenas como "garotos de leva e traz" das DEs e, por último, os professores se vêem como sabotadores profissionais cuja função é provar que tudo isso vai dar errado e, portanto, colaborar, tanto quanto possível, para que tudo dê errado mesmo.

Como pode uma máquina podre como essa ter sobrevivido à extinção? Resposta simples: todos aprenderam a achar que "isso tudo é normal". A escola perdeu a capacidade de indignar-se diante da incompetência de seus gestores, nos diversos níveis de gestão, e aceitou que é mera executora de políticas destinadas ao fracasso. A sociedade foi bombardeada com mentiras que dizem que os alunos não aprendem porque seus professores são ruins e que "isso é normal"! A imprensa e os pretensos formadores de opinião entendem que alunos saindo da escola com desempenho entre 2 e 3 em uma escala que vai até 10 "é algo normal"!

Quando a última LDB foi redigida, em 1996, ninguém mais parecia crer que aquilo não se destinaria a ser "apenas papel". Talvez por isso governos estaduais a ignorem e prefiram procurar soluções mágicas para problemas reais. O que ninguém parece ter percebido (sim, eu acredito na estupidez humana!) é que soluções mágicas só se aplicam em universos hipotéticos (como o universo onde vivem alguns dos nossos mais ilustres catedráticos da educação, que há décadas não sabem a diferença entre uma escola e uma padaria - porque só frequentam a padaria). Essa falta de percepção da necessidade de autonomia (burrice mesmo) é o primeiro grande fator gerador de conflitos dentro da escola, porque é daí que nasce e se alimenta a sensação de que a responsabilidade é sempre do outro. Estamos assistindo isso há duas décadas e os resultados que nos envergonham hoje eram previsíveis há 20 anos atrás.

Perdemos, mais uma vez, os dois dias iniciais de planejamento em discussões fúteis e no preenchimento de "papéis para a DE". Vivenciamos os primeiros e principais conflitos do ano e a maioria de nós já não quer ser capaz de tirar nenhuma conclusão disso tudo. A máquina moribunda agoniza mas não morre, e possui uma inércia infinita. Os discursos tendem ao vazio ou à disputas inócuas. Professores agem como crianças pirracentas quebrando vidraças alheias. Gestores agem como garotos de recado acéfalos e amorais. Burocratas do sistema imaginam-se ainda como generais da ditadura, enquanto vivem suas vidas estúpidas de carrascos de segunda categoria. De quem é a responsabilidade?



No próximo capítulo, "Escola Pública - Território de conflitos - parte 2: Alunos, onde estarão?", farei um contraponto entre os planos fantásticos de governos desgovernados e a realidade da sala de aula (lugar desconhecido pelos formuladores de políticas públicas e educacionais).

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

De volta às aulas

Depois de meio ano de abandono desse blog, decorrente da conjunção nefasta do excesso de trabalho com a falta de vontade (peguei nojo desse blog!), eis que o filho não tão pródigo retorna para escrivinhar um pouco mais sobre a saga do cotiadiano de uma escola pública que vai sobrevivendo aos tempos e aos mares.

Não prometo que terei tempo ou vontade de tornar esse blog movimentado, e também não preciso prometer porque meus leitores são poucos e já não acreditam mesmo em promessas de homens com mais de trinta. Mas, tentarei registrar aqui um pouco da loucura que é viver a realidade da escola pública (no caso, uma escola pública paulista), por mais um ano.

No ano anterior tentei focar os artigos desse blog no cotidiano da escola de uma forma geral, mas como isso abrange muita coisa, neste ano pretendo focar nichos específicos de temas recorrentes e relativamente relevantes: a começar pelos inevitáveis conflitos internos e externos que vivemos nas escolas e que são parte de um cotidiano que tem que ser adminstrado, apesar de todo o estresse gerado dentro de um sistema  apodrecido e condenado à falência múltipla, mas que reluta em sobreviver apesar de todos os governos e de todos os sabotadores públicos sustentados pela máquina educacional.

Começo o ano, portanto, com uma série (sei lá de quantos artigos) intitulada "Escola Pública - Território de conflitos". Obviamente minhas crônicas serão passionais, pois estou inserido nesse cotidiano e faço parte do exército de Dom Quixotes que ainda enfrenta moinhos de vento para encontrar sua doce Dulcinéia (se você é novo na vida e não sabe do que estou falando, vá ler O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes), mas, apesar da paixão própria e avassaladora que me move por esse terreno lamacento, tentarei também apresentar algumas análises minimamente coerentes dos fatos que serão narrados.

Espero que você goste e, quem sabe, daqui há alguns séculos, os arqueólogos digitais que escavarem esse blog não encontrem um bom material para que os sociólogos babacas de então, assim como os de hoje, possam se masturbar mentalmente.