"Sangria desatada", para os newbies vernaculares da nova pós-ortografia luso-tupiniquim, significa "muito sangue". No contexto desse texto (até rimou!) significa uma enorme "vermelhidão". É claro, estou falando das notas das provas bimestrais.
Olhando aqui para minha planilha de notas, ainda não finalizada, vejo uma gigantesca mancha vermelha e uma ou outra ilhota mais azulada.
O diagnóstico não poderia ser mais óbvio: fracassamos!
Todos nós, pais, professores, ex-professores, alunos, coordenação, gestão e até mesmo nossos governantes (tadinhos deles), compartilham comigo essa tristeza e essa amarga sensação de "fracasso".
Não há culpados, é claro. Em um sistema em que ninguém faz sua parte como deveria, onde todos têm suas múltiplas culpas, culpar um ou outro é mero exercício de "empurrismo".
As notas vermelhas que escorrem dessa planilha não são forjadas, não estão aí para se prestarem à geração de estatísticas "esquisitas". Essas notas refletem uma realidade que muitos gostam de fazer de conta que será fácil mudar. Outros preferem simplesmente negar a realidade e "maquiar" os números. Assim tem sido, e por ter sido assim é que essa planilha traz estampada o rubor que muitos não têm na face. Mas deveriam...
Como pode minha escola ser uma das melhores da cidade e da região se tenho alunos que não sabem ler, raramente lêm alguma coisa, não compreendem quando lêm e, quando compreendem, não são capazes de expressar essa compreensão? Como posso ser um dos "professores abonados" (sim, superamos as metas para além do máximo!) se meus alunos não sabem somar números negativos, não conseguem calcular 10% de qualquer coisa, se descabelam diante de um "x" e tremem diante de uma equação do primeiro grau?
Hummm... Talvez a culpa seja minha... Mas espere aí, leia antes o meu currículo! Lá você verá que eu tenho culpa sim, mas deve ser bem menor que a sua culpa, que aparentemente nem tem nada a ver com isso. :)
Esqueçamos os culpados, todos nós o somos, e concentremo-nos nas soluções:
1 - convencer pais e responsáveis de que a escola é só uma parte do processo de educação de seus filhos e que, portanto, a "escola" se estende para a casa do aluno da mesma forma como a "casa do aluno" se estende para a escola;
2 - alfabetizar, sim, isso mesmo, alfabetizar esses moços e moças que tropeçam em proparoxítonas, desconhecem concordância mas, pior que tudo, não compreendem um parágrafo sequer daquilo que lêem;
3 - ensinar a eles a velha e boa tabuada que lhes permite dizer quanto é 8 X 7 sem precisarem de uma calculadora e, se possível, ensinar-lhes a somar, subtrair, multiplicar e dividir. Eu sei que parece ridículo, mas é mesmo ridículo!
4 - reconstruir a escola instituição-de-ensino em substituição à escola Orkut-presencial, sem excluir, sem segregar e baseada em um modelo humanista, pragmático e científico;
5 - rebelar-se contra a mediocridade reinante, a preguiça política na entresafra eleitoral, a hipocrisia hierárquica de "burocratas de confiança" e colocar as mãos na massa, o giz na lousa ou o bit no datashow.
É triste um país que assassina o futuro de seus jovens. É triste uma escola de mentirinha para "uns" e um mundo verdadeiro e competitivo que só aceita os "outros". É triste, é doído e é verdadeiro.
Meus alunos são adolescentes inteligentes, sadios, bem vestidos e bem alimentados. Estudam em uma das melhores escolas da região e dispõem de recurso que dão inveja a muitas escolas da rede particular. Eles têm bons professores, bons livros e boas oportunidades... Não parece certo que os abandonemos agora, para culpá-los depois. Não parece certo que tenham permanecido na escola até hoje, por cerca de 10 anos, e que não tenham aprendido quase nada.
As notas finais ficarão mais "azuis", pois meu critério de formação de notas inclui muitos outros itens além das notas de provas. A extrema maioria deles será aprovada e eu não me oponho a isso. No final, parecerá que tudo terminou bem... Mas não é bem assim.
Daqui há uns poucos anos eles estarão trabalhando duro para pagar uma faculdade vagabunda financiada por algum programa assistencialista (e necessário). Poucos conseguirão bons empregos. Raríssimos chegarão a uma pós-graduação ou mesmo a uma profissão liberal com boas chances de ascenção social. E isso está muito errado!
É por essas e outras que muitos professores simplesmente "desistem diante dos obstáculos intransponíveis". Talvez estejam certos. Infelizmente, ou felizmente, me identifico bastante com o personagem de Cervantes que lutava contra moinhos de vento em busca de sua mui garbosa e nunca vista Dulcinéia.
Que venha o próximo bimestre!
Olhando aqui para minha planilha de notas, ainda não finalizada, vejo uma gigantesca mancha vermelha e uma ou outra ilhota mais azulada.
O diagnóstico não poderia ser mais óbvio: fracassamos!
Todos nós, pais, professores, ex-professores, alunos, coordenação, gestão e até mesmo nossos governantes (tadinhos deles), compartilham comigo essa tristeza e essa amarga sensação de "fracasso".
Não há culpados, é claro. Em um sistema em que ninguém faz sua parte como deveria, onde todos têm suas múltiplas culpas, culpar um ou outro é mero exercício de "empurrismo".
As notas vermelhas que escorrem dessa planilha não são forjadas, não estão aí para se prestarem à geração de estatísticas "esquisitas". Essas notas refletem uma realidade que muitos gostam de fazer de conta que será fácil mudar. Outros preferem simplesmente negar a realidade e "maquiar" os números. Assim tem sido, e por ter sido assim é que essa planilha traz estampada o rubor que muitos não têm na face. Mas deveriam...
Como pode minha escola ser uma das melhores da cidade e da região se tenho alunos que não sabem ler, raramente lêm alguma coisa, não compreendem quando lêm e, quando compreendem, não são capazes de expressar essa compreensão? Como posso ser um dos "professores abonados" (sim, superamos as metas para além do máximo!) se meus alunos não sabem somar números negativos, não conseguem calcular 10% de qualquer coisa, se descabelam diante de um "x" e tremem diante de uma equação do primeiro grau?
Hummm... Talvez a culpa seja minha... Mas espere aí, leia antes o meu currículo! Lá você verá que eu tenho culpa sim, mas deve ser bem menor que a sua culpa, que aparentemente nem tem nada a ver com isso. :)
Esqueçamos os culpados, todos nós o somos, e concentremo-nos nas soluções:
1 - convencer pais e responsáveis de que a escola é só uma parte do processo de educação de seus filhos e que, portanto, a "escola" se estende para a casa do aluno da mesma forma como a "casa do aluno" se estende para a escola;
2 - alfabetizar, sim, isso mesmo, alfabetizar esses moços e moças que tropeçam em proparoxítonas, desconhecem concordância mas, pior que tudo, não compreendem um parágrafo sequer daquilo que lêem;
3 - ensinar a eles a velha e boa tabuada que lhes permite dizer quanto é 8 X 7 sem precisarem de uma calculadora e, se possível, ensinar-lhes a somar, subtrair, multiplicar e dividir. Eu sei que parece ridículo, mas é mesmo ridículo!
4 - reconstruir a escola instituição-de-ensino em substituição à escola Orkut-presencial, sem excluir, sem segregar e baseada em um modelo humanista, pragmático e científico;
5 - rebelar-se contra a mediocridade reinante, a preguiça política na entresafra eleitoral, a hipocrisia hierárquica de "burocratas de confiança" e colocar as mãos na massa, o giz na lousa ou o bit no datashow.
É triste um país que assassina o futuro de seus jovens. É triste uma escola de mentirinha para "uns" e um mundo verdadeiro e competitivo que só aceita os "outros". É triste, é doído e é verdadeiro.
Meus alunos são adolescentes inteligentes, sadios, bem vestidos e bem alimentados. Estudam em uma das melhores escolas da região e dispõem de recurso que dão inveja a muitas escolas da rede particular. Eles têm bons professores, bons livros e boas oportunidades... Não parece certo que os abandonemos agora, para culpá-los depois. Não parece certo que tenham permanecido na escola até hoje, por cerca de 10 anos, e que não tenham aprendido quase nada.
As notas finais ficarão mais "azuis", pois meu critério de formação de notas inclui muitos outros itens além das notas de provas. A extrema maioria deles será aprovada e eu não me oponho a isso. No final, parecerá que tudo terminou bem... Mas não é bem assim.
Daqui há uns poucos anos eles estarão trabalhando duro para pagar uma faculdade vagabunda financiada por algum programa assistencialista (e necessário). Poucos conseguirão bons empregos. Raríssimos chegarão a uma pós-graduação ou mesmo a uma profissão liberal com boas chances de ascenção social. E isso está muito errado!
É por essas e outras que muitos professores simplesmente "desistem diante dos obstáculos intransponíveis". Talvez estejam certos. Infelizmente, ou felizmente, me identifico bastante com o personagem de Cervantes que lutava contra moinhos de vento em busca de sua mui garbosa e nunca vista Dulcinéia.
Que venha o próximo bimestre!