terça-feira, 21 de abril de 2009

Uma sangria desatada

"Sangria desatada", para os newbies vernaculares da nova pós-ortografia luso-tupiniquim, significa "muito sangue". No contexto desse texto (até rimou!) significa uma enorme "vermelhidão". É claro, estou falando das notas das provas bimestrais.


Olhando aqui para minha planilha de notas, ainda não finalizada, vejo uma gigantesca mancha vermelha e uma ou outra ilhota mais azulada.

O diagnóstico não poderia ser mais óbvio: fracassamos!

Todos nós, pais, professores, ex-professores, alunos, coordenação, gestão e até mesmo nossos governantes (tadinhos deles), compartilham comigo essa tristeza e essa amarga sensação de "fracasso".

Não há culpados, é claro. Em um sistema em que ninguém faz sua parte como deveria, onde todos têm suas múltiplas culpas, culpar um ou outro é mero exercício de "empurrismo".

As notas vermelhas que escorrem dessa planilha não são forjadas, não estão aí para se prestarem à geração de estatísticas "esquisitas". Essas notas refletem uma realidade que muitos gostam de fazer de conta que será fácil mudar. Outros preferem simplesmente negar a realidade e "maquiar" os números. Assim tem sido, e por ter sido assim é que essa planilha traz estampada o rubor que muitos não têm na face. Mas deveriam...

Como pode minha escola ser uma das melhores da cidade e da região se tenho alunos que não sabem ler, raramente lêm alguma coisa, não compreendem quando lêm e, quando compreendem, não são capazes de expressar essa compreensão? Como posso ser um dos "professores abonados" (sim, superamos as metas para além do máximo!) se meus alunos não sabem somar números negativos, não conseguem calcular 10% de qualquer coisa, se descabelam diante de um "x" e tremem diante de uma equação do primeiro grau?

Hummm... Talvez a culpa seja minha... Mas espere aí, leia antes o meu currículo! Lá você verá que eu tenho culpa sim, mas deve ser bem menor que a sua culpa, que aparentemente nem tem nada a ver com isso. :)

Esqueçamos os culpados, todos nós o somos, e concentremo-nos nas soluções:
1 - convencer pais e responsáveis de que a escola é só uma parte do processo de educação de seus filhos e que, portanto, a "escola" se estende para a casa do aluno da mesma forma como a "casa do aluno" se estende para a escola;
2 - alfabetizar, sim, isso mesmo, alfabetizar esses moços e moças que tropeçam em proparoxítonas, desconhecem concordância mas, pior que tudo, não compreendem um parágrafo sequer daquilo que lêem;
3 - ensinar a eles a velha e boa tabuada que lhes permite dizer quanto é 8 X 7 sem precisarem de uma calculadora e, se possível, ensinar-lhes a somar, subtrair, multiplicar e dividir. Eu sei que parece ridículo, mas é mesmo ridículo!
4 - reconstruir a escola instituição-de-ensino em substituição à escola Orkut-presencial, sem excluir, sem segregar e baseada em um modelo humanista, pragmático e científico;
5 - rebelar-se contra a mediocridade reinante, a preguiça política na entresafra eleitoral, a hipocrisia hierárquica de "burocratas de confiança" e colocar as mãos na massa, o giz na lousa ou o bit no datashow.

É triste um país que assassina o futuro de seus jovens. É triste uma escola de mentirinha para "uns" e um mundo verdadeiro e competitivo que só aceita os "outros". É triste, é doído e é verdadeiro.

Meus alunos são adolescentes inteligentes, sadios, bem vestidos e bem alimentados. Estudam em uma das melhores escolas da região e dispõem de recurso que dão inveja a muitas escolas da rede particular. Eles têm bons professores, bons livros e boas oportunidades... Não parece certo que os abandonemos agora, para culpá-los depois. Não parece certo que tenham permanecido na escola até hoje, por cerca de 10 anos, e que não tenham aprendido quase nada.

As notas finais ficarão mais "azuis", pois meu critério de formação de notas inclui muitos outros itens além das notas de provas. A extrema maioria deles será aprovada e eu não me oponho a isso. No final, parecerá que tudo terminou bem... Mas não é bem assim.

Daqui há uns poucos anos eles estarão trabalhando duro para pagar uma faculdade vagabunda financiada por algum programa assistencialista (e necessário). Poucos conseguirão bons empregos. Raríssimos chegarão a uma pós-graduação ou mesmo a uma profissão liberal com boas chances de ascenção social. E isso está muito errado!

É por essas e outras que muitos professores simplesmente "desistem diante dos obstáculos intransponíveis". Talvez estejam certos. Infelizmente, ou felizmente, me identifico bastante com o personagem de Cervantes que lutava contra moinhos de vento em busca de sua mui garbosa e nunca vista Dulcinéia.

Que venha o próximo bimestre!

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Rebelião estudantil no 3º colegial

Na quinta-feira da semana passada, 02/04, aconteceu a primeira rebelião pedagógica do ano em um dos meus terceiros colegiais. Eu não poderia deixar de contar aqui esse fato tão incomum e dar, é claro, a minha versão sobre ele. O espaço para comentários está aberto para quem tiver uma opinião diferente.

Tudo começou com o fato de que nesse ano os alunos receberam pela primeira vez, depois de mais de uma década, livros didáticos de Física. Aquilo que, de fato, é um imenso ganho pedagógico e nos possibilita ganhar em tempo, qualidade e eficiência, pelo menos do ponto de vista do professor, é para os alunos uma enorme dor de cabeça.

Ter um livro didático implica em também trazê-lo para a escola em todas as aulas, e isso já parece absurdo para muitos alunos. Na verdade, nem é tão incomum encontrarmos alunos que vêm para a escola e não trazem sequer um caderno e uma caneta. Parece absurdo, mas é assim mesmo que acontece às vezes. Isso deve-se ao fato de que para muitos desses alunos a escola tornou-se apenas e tão somente um Orkut Presencial, frase que cunhei em um comentário que fiz em um artigo publicado pela revista Seleções de março passado.

Mas não basta trazer o livro para a escola, é também necessário que o aluno utilize o livro em sua casa! Sim! Sim! Sim! O livro didático serve para estudar. E estudar é tudo o que muitos desses meninos e meninas não têm feito nos últimos dez anos. É claro que a culpa não é só deles, pois não tendo livros para estudar e, não sendo levados a estudar nas disciplinas que tinham livros, é natural que pareça estranho ter que ler, reler, estudar, fazer tarefas, resumos e anotações.

Pois bem, nessa quinta-feira fui surpreendido (?) com uma inusitada rebelião de alunos que, com toda razão, na visão deles, estão sendo obrigados a lerem e estudarem com seus livros. A queixa soa justa: o professor deveria primeiro explicar o texto e, somente depois, solicitar que os alunos fizessem algo a partir do texto. Na verdade o que eu tenho feito não é mesmo assim, pois primeiro os alunos são solicitados a lerem e estudar os textos, então devem tentar resolver os problemas e, depois disso, o professor faz observações sobre o texto, comenta os problemas, explica o assunto onde há mais dificuldade e resolve alguns problemas que os alunos não conseguiram resolver.

Isso parece muito estranho para os alunos, mas mais estranho ainda é imaginarmos que o método que eles julgam correto, e que foi usado extensivamente com eles no ensino fundamental sem obter resultados significativos, fosse empregado no dia a dia deles. Imagine que você vá a uma banca de revistas e compre uma revista, então o jornaleiro senta-se ao seu lado e lê a revista para você, explicando as notícias, e somente depois disso você estará habilitado a levar a revista para casa para lê-la sozinho. Não parece algo estranho? Pois é, e é assim mesmo que a escola tem feito em muitas oportunidades. O resultado obtido é uma massa de alunos que simplesmente não consegue ler um texto e obter alguma compreensão dele.

Se por um lado "parece injusto" querer agora, bem no Ensino Médio, quando os pequeninos já estão crescidinhos, querer que eles adquiram habilidades de leitura e compreensão, que lhes permitam mais autonomia de aprendizagem, por outro, a pergunta é: então devemos simplesmente cuspi-los da escola analfabetos-funcionais só porque hoje, em pleno Ensino Médio, eles se encontram nesse estado?

A rebelião que eu assisti, e que muitos professores também devem assistir em circunstâncias parecidas, é uma das provas fósseis mais significativas da ineficácia de um ensino baseado em "aulas expositivas de conteúdo", onde o professor literalmente "lê o livro para os alunos", resolve um ou dois problemas simples e propõe um dois problemas idênticos para que resolvam. Todos ficam felizes, e todos saem analfabetos da escola mais tarde.

Bom, eu sufoquei a rebelião. Fiz valer o pressuposto de que eu sei melhor do que meus alunos qual é a melhor metodologia a ser usada, mas confesso que fiquei triste. Eles são honestos em suas reinvidicações, estão ansiosos com as provas, sentem a enorme dificuldade que a leitura e o estudo representa para eles e, ao fim e ao cabo, tudo o que queriam é aquilo que a escola já vem dando a eles há mais de uma década: um ensino para macacos.

Ora bolas! Meus alunos não são macacos! Eles merecem mais do que se tornarem apenas números sem sentido em estatísticas aleijadas sobre a educação. Eles merecem muito mais e, pelo menos, merecem adquirir a capacidade de aprenderem com autonomia, indentificarem as próprias dificuldades e compreenderem os meios pelos quais podem superar essas dificuldades. Abaixo a rebelião! Avante a Educação!