domingo, 30 de maio de 2010

O Idesp, o bônus e o ônus de um índice muito suspeito

Muito se tem falado sobre o programa de Qualidade da Escola implantado pelo governo paulista. O próprio governo alardeia aos quatro ventos que com esse programa pretende atingir metas internacionais de qualidade na educação e que, graças a esse programa, professores, gestores e funcionários das escolas têm sido beneficiados com generosos bônus pagos anualmente.

É fato que a intenção pode ter sido mesmo a de melhorar a qualidade da educação paulista, mas também é fato que não se melhora a qualidade da educação simplesmente distribuindo dinheiro e o próprio governo usa esse argumento quando se nega a aumentar salários. Em tese o bônus pago pelo governo de São Paulo estaria atrelado aos esforços da escola para melhorar seus índices de ensino mas, apenas em tese, como veremos a seguir. Aquilo que o governo paulista tem chamado tão ironicamente de "bônus por mérito", na verdade pode não possuir mérito algum.

A qualidade educacional de uma escola passou a ser avaliada conforme um índice denominado Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo). Esse índice mede um misto entre o resultado que a escola obteve no exame do SARESP nas séries terminais de cada ciclo e o "indicador de fluxo escolar" apresentado por cada ciclo no período avaliado. Traduzindo isso para um português mais "palatável", esse índice fornece um número que é tomado como indicador de qualidade do ensino na escola levando-se em conta o resultado do SARESP e a quantidade de alunos que são aprovados durante o ano. Assim, por exemplo, se o indicador de fluxo for de 80% isso quer dizer que o índice de qualidade educacional apurado para a escola corresponde a 80% da nota média obtida no SARESP.

É com base nesse índice que o governo do Estado de São Paulo atualmente paga o bônus para os professores e funcionários da escola. A partir do Idesp e das metas estabelecidas para a escola para um dado ano, calcula-se o IC (Índice de Cumprimento de Metas) e o IQ (Indicador de Qualidade). O IC é uma medida do quanto a escola atingiu de sua meta para aquele ano e o IQ é um indicador do quanto a escola está acima do desempenho das demais escolas da rede estadual em relação ao cumprimento da meta global que se espera atingir em 2030. Todo o processo é descrito no documento intitulado "Programa de Qualidade na Escola - Nota Técnica", disponível no site do Idesp.

Se o Idesp for igual ou superior à meta estabelecida para aquele ano, então os professores e funcionário têm um IC+IQ positivo e recebem o bônus integralmente; se o Idesp for superior ao do ano anterior e menor do que a meta estabelecida para aquele ano, então o IC+IQ também é positivo e recebe-se o bônus proporcionalmente a parcela da meta cumprida e, finalmente; se o Idesp for igual ou inferior ao do ano anterior, então o IC+IQ é negativo e ninguém recebe nada na escola. Esse índice é calculado para cada ciclo e o bônus é o resultado final considerando-se os ciclos em que o professor leciona ou o resultado global da escola, no caso de funcionários. Mesmo que um professor lecione em várias escolas o seu bônus é calculado com base na escola onde ele é sediado (sua sede oficial). Além disso, o bônus também depende da frequência do professor (ou funcionário) ao trabalho e não leva em conta se o professor ou funcionário faltou com ou sem justificativa (é proibido ficar doente, por exemplo).

Independentemente das razões teóricas pelas quais o Idesp é calculado dessa forma, do ponto de vista prático, e é isso que as escolas "vêem", ele é apenas um "índice que paga ou não paga bônus" e que pode ser manipulado de duas formas: fazendo-se com que os alunos tenham melhores resultados no SARESP e evitando-se que os alunos reprovem ou abandonem a escola.

Melhorar os resultados do SARESP pode ser visto, teoricamente, como melhorar a qualidade da aprendizagem, de maneira que os alunos aprendam mais e obtenham melhores resultados nessa prova. Porém, dado que isso demanda muito mais do que apenas "vontade", as escolas também podem optar, e algumas parece que já o fizeram, por:
  1. permitir que apenas os bons alunos façam a prova do SARESP, já que os alunos não são obrigados a fazerem a prova e os resultados são avaliados igualmente para escolas onde todos os alunos fizeram a prova ou para aquelas onde os "piores alunos" foram "convidados" a faltarem no dia da prova, melhorando assim o resultado da escola de forma artificial;
  2. forçar com que os "melhores alunos" compareçam à prova e a façam com rigor, já que muitos alunos simplesmente faltam no dia da prova porque nenhum deles ganhará nada com essa prova, mesmo que tenham resultados excelentes. A propósito, nem os alunos e nem os professores sabem os resultados de cada aluno individualmente ou mesmo de cada classe. Não há nenhuma transparência nesses resultados e as notas obtidas pelos alunos indivivualmente não servem para nada, nem para os alunos e nem para a escola;
  3. trapacear durante a aplicação da prova ou durante sua correção. Apesar de todos os cuidados com a logística de distribuição e aplicação das provas, e embora professores de escolas diferentes façam a aplicação da prova e a correção das questões objetivas seja feita pela instituição que gerencia a prova (CESGRANRIO) com um processo automatizado de leitura óptica de gabaritos, nada impede que em algumas escolas "alguém" dê uma ajudazinha para os alunos na hora da prova. Além disso, as redações são corrigidas na própria escola e isso permite que as notas sejam mais "camaradas", já que ninguém vai mesmo conferir essas correções;
  4. transformar a escola em um "cursinho para o SARESP", com ênfase no ensino de técnicas de resolução de provas objetivas (tipo teste) com quatro alternativas, na resolução de questões de provas anteriores e nas técnicas de redação. Isso demanda mais trabalho da escola e, por isso mesmo, não se espera que muitas escolas o façam;
  5. enfatizar as disciplinas do SARESP em detrimento de outras. O SARESP avalia apenas português e matemática de forma regular, e alterna entre as áreas de exatas e humanas de forma bianual. Algumas escolas podem criar programas específicos de atividades voltadas apenas para português e matemática e, ano sim ano não, para as outras disciplinas que serão avaliadas (ainda que com peso menor).
Já com relação ao "fluxo", as medidas de trapaça para driblar esse índice já estão em vigor bem antes do surgimento do sistema de bônus e dessa metodologia de cálculo do IC e consistem, fundamentalmente, em "empurrar todo mundo, evitando-se a qualquer custo a reprovação e a desistência dos alunos", principalmente quando estão nas séries terminais.

O sistema de Progressão Continuada, que na verdade funciona como um sistema de "aprovação automática", termina na oitava série (ou nona, para o novo ensino fundamental de nove anos). Apenas na quarta (ou quinta) e na oitava (ou nona) série os alunos podem ser reprovados e, portanto, a reprovação é pequena no Ensino Fundamental. Além disso, como não há reprovação, a evasão nesse nível de ensino é baixa e a escola acaba funcionando muitas vezes como "creche" para os alunos, estimulando ainda mais as famílias a manterem seus filhos na escola. Isso faz com que o indicador de fluxo seja alto para o Ensino Fundamental, mas não funciona bem para o Ensino Médio e acarreta, como veremos a seguir, uma alta defasagem entre a série escolar e o nível escolar dos alunos.

Quando os alunos chegam à oitava (ou nona) série e podem, teoricamente, serem reprovados, muitas escolas os "empurram para fora" porque não possuem Ensino Médio e não terão que continuar com esses alunos. O mesmo vale para escolas que têm apenas os ciclos iniciais (até a quarta ou quinta série). Isso permite que muitas escola aprovem todos em massa, independentemente de terem ou não condições de prosseguir no ciclo seguinte ou no Ensino Médio. Com isso transfere-se o problema para as escolas que receberão esses alunos.

Já no Ensino Médio, as reprovações podem ocorrer em qualquer série, mas há décadas vem se criando uma cultura de "progressão continuada extra-oficial" por imposição da própria Secretaria da Educação. Reprovar um aluno tornou-se uma tarefa tão difícil e desgastante para o professor e para a escola que somente os casos onde é "impossível conseguir algum argumento para a aprovação" o aluno fica retido. Mesmo assim o índice de reprovação no Ensino Médio é alto porque, como já discutimos em outras oportunidades, e voltaremos ao tema em breve, a maioria dos alunos do Ensino Médio estão na verdade na sexta-série (ou menos que isso) do Ensino Fundamental em termos de aprendizagem.

Teoricamente, deveria-se esperar uma melhoria do indicador de fluxo por meio de medidas de acompanhamento dos alunos, evitando-se que eles abandonassem a escola por falta de estímulo e promovendo ações de recuperação e de apoio que evitassem a reprovação, suprimendo assim as deficiências de aprendizagem de cada um. Como isso quase nunca é possível, e sempre demanda muito trabalho e esforço de todos na escola e na comunidade, muitas escolas optam por um sistema mais simples que consiste em trapacear:
  1. aprovando-se os alunos sem nenhum critério pedagógico nas séries onde eles poderiam ser reprovados;
  2. evitando-se a desistência dos alunos a todo custo, incluindo-se ai a promessa de aprovação automática, e não computando todas as faltas dos alunos;
  3. criando-se sistemas de "dependência", onde alunos reprovados em várias disciplinas acabam sendo aprovados no ano letivo e remetidos a cursaram novamente algumas disciplinas no ano seguinte, em conjunto com as demais daquela série, na forma de "dependências" (que, via de regra, significa que no ano seguinte ele entregará um "trabalho" de uma ou duas páginas copiadas da internet no final do ano e será "oficialmente aprovado" naquelas disciplinas).
Nenhum dos "métodos de trapaça" descritos acima tem potencial para garantir o recebimento de bônus por anos seguidos, pois todos eles se esgotam após o primeiro uso e, mesmo com um sistema contínuo de trapaça, o IC tende a se normalizar após um ou dois anos. Nesse caso, se a escola parar de trapacear por um ano ela ficará sem bônus e terá um IC muito baixo, mas depois poderá retomar o método de trapaça nos dois anos seguintes. Calibrando-se o método de trapaça talvez seja possível até obter bônus por três ou mais anos consecutivos mas, definitivamente, não se melhorará a qualidade da escola e nem da educação que ela oferece.

Se a escola não trapacear ela terá que melhorar seus índices de qualidade criando medidas efetivas para evitar a evasão e para melhorar o ensino e a aprendizagem dos alunos, como se alardeia na teoria, mas isso também implica em ter que controlar variáveis totalmente fora do controle da própria escola, como:
  1. a qualidade dos alunos que a escola recebe de outras escolas. Se a escola recebe bons alunos, então ela pode continuar tornando-os melhores, ou melhorar seu resultado artificialmente caso ela tenha alunos atualmente piores que os que passa a receber, mas se ela recebe (ou passar a receber) alunos com péssima formação, provenientes de escolas que "os empurraram sem ensinar", então ela dispenderá a maior parte de seu esforço para tentar "recuperá-los" e nunca terá bons índices de desempenho;
  2. a condição sócio-econômica de sua clientela. Escolas que dispõem de alunos de classes sociais muito desfavorecidas não têm como impedí-los de desistirem da escola em troca de qualquer trabalho que eles consigam, principalmente quando eles estão no Ensino Médio. Isso afeta diretamente o indicador de fluxo e diminui o Idesp da escola;
  3. corpo docente descomprometido ou desqualificado lecionando nas disciplinas avaliadas no SARESP. Professores que não têm sede na própria escola e não recebem seu bônus conforme o Idesp daquela escola não têm porque se preocuparem com a melhoria do Idesp da escola. Professores que estão profundamente desistimulados, ou que são simplesmente incompetentes demais para exercerem bem a sua função, não "melhoram" por mágica e nem se importam com índices, ou mesmo com seu próprio bônus.
Assim, por maiores que sejam os esforços individuais de uma escola (honestos ou desonestos), seu Idesp tenderá a se estabilizar em dois anos e após isso as melhorias serão muito lentas e dependerão sempre de variáveis que estão além do campo de atuação da própria escola e dos seus professores.

A título de exemplo, seguem os gráficos comparativos desses indicadores para a minha escola, EE. Profa Neuza Maria Nazatto de Carvalho, onde decididamente não houve nenhuma forma de trapaça em nenhum dos anos em que esses índices foram medidos:





Analizando esses números e as medidas que temos implantado ao longo desses três últimos anos, temos tentado entendê-los para traçar estratégias para superá-los. No entanto, temos as seguintes dificuldades:
  1. tanto o nosso Ensino Fundamental quanto nosso Ensino Médio recebem alunos de outras escolas e nós não podemos escolher quais queremos aceitar ou não (como fazem as universidades públicas com seus exames vestibulares);
  2. a qualidade dos alunos, em termos de aprendizagem, que recebemos dessas escolas têm diminuído ao invés de aumentar, e isso ocorre mesmo quando aumenta o Idesp das escolas das quais recebemos alunos (!?);
  3. não temos meios de impedir que os alunos do Ensino Médio desistam da escola para trabalhar e, além disso, o perfil sócio-econômico de nossa comunidade indica que ela é uma comunidade de operários que valorizam mais o trabalho (qualquer trabalho) do que a escola;
  4. não temos nenhuma política de "empurrar alunos a qualquer custo", mas temos uma dificuldade muito grande em mantê-los no Ensino Médio quando eles não tem condições mínimas de aprendizagem e, por isso, muitos acabam desistindo ou abandonando a escola ou sendo reprovados por excesso de faltas e absoluta falta de notas;
  5. no primeiro ano do Ensino Médio recebemos alunos que vêm muitas vezes de escolas onde nunca fizeram uma tarefa de casa, nunca fizeram uma prova escrita, são analfabetos funcionais e não dominam as operções aritméticas básicas. Isso faz com que passemos os três anos do Ensino Médio nos preocupando em recuperar toda a aprendizagem que não tiveram, mas os exames do SARESP não levam isso em conta;
  6. temos muitos professores temporários lecionando na escola cuja sede é em outra escola, e nem todos, temporários ou não, têm uma preocupação real em melhorar a qualidade de suas aulas diante dos esforços que precisariam empreender. Nos casos em que os alunos são "muito ruins", muitos professores desejam mais que eles abandonem a escola do que ajudá-los a superarem suas diversas dificuldades.
Tudo isso nos leva a não ter nenhuma expectativa de melhora desses índices enquanto não passarmos a receber alunos mais bem preparados e enquanto outras políticas públicas não cooperarem para a melhoria do perfil sócio-econômico da nossa comunidade. As tentativas isoladas que empreendemos na escola nos últimos anos já promoveram muitas mudanças positivas sob vários aspectos, porém de pouco impacto na aprendizagem dos alunos medida pelo SARESP (aprendizagem de conteúdos curriculares apenas).

Por fim, a avaliação do SARESP não se baseia na realidade do ensino na nossa escola (e nem na realidade da maioria das escolas) e pressupõe, erroneamente, que trabalhamos com alunos sem defasem de aprendizagem idade-série ou cujo único aprendizado na escola seja de cunho "curricular". Se, por uma lado, isso mede a situação efetiva de aprendizagem dos alunos segundo padrões curriculares internacionais, por outro, isso é um fator limitante do nosso Idesp, já que nossos alunos não estão sujeito à mesma realidade que os alunos hipotéticos que o exame avalia e nem podem prescindir de elementos não-curriculares que fazem parte de sua formação geral.

Isso posto, fica a pergunta: de quem é, afinal, o mérito que o bônus diz recompensar?

domingo, 23 de maio de 2010

Físicossauros em extinção

Notícia publicada no Estadão On-line, em 22/05/2010, informa que foram aprovados no útltimo concurso apenas 22,8% dos professores que prestaram o concurso para PEBII (Professor de Educação Básica II - que atuam nos ciclos finais do ensino fundamental e no Ensino Médio). Em outros termos, isso significa dizer que 77,2% dos professores paulistas foram péssimamente formados pela universidade, não sendo capazes de atingir a nota mínima 5,0 para serem aprovados e, ainda, que os professores que já estão atuando, e também não foram aprovados, não receberam do estado formação continuada minimamente suficiente para atuarem como professores.

Mais estarrecedora ainda é a notícia de que mais de 92% dos professores de Física foram reprovados! E eles continuarão em sala de aula, lecionando normalmente, porque simplesmente não existem mais bons professores de física disponíveis para o ensino público. Os que restam são fisicossauros em extinção. Porque será?

Ok, eu sou um professor de física que foi aprovado entre os 304 que conseguiram atingir a nota mínima, sou um fisicossauro em extinção, e minha nota não foi nada mínima, mas isso não interessa. Interessa saber que já sou efetivo do cargo e que, portanto, pode-se contar até aqui que apenas 303 foram realmente aprovados. Mas quantos desses, assim como eu, já não são efetivos e só prestaram o concurso "porque gostam de testar seus conhecimentos"? Quantos desses aprovados irão realmente assumir seu cargo em troca do salário (*@#&!%*) que o governo nos paga? Quantos novos professores de física realmente serão contratados?

No concurso anterior, em que fui o segundo colocado na listagem final, os números foram muito semelhantes. Desconfio que no próximo os números serão também bem próximos. Porque isso ocorre? Porque temos professores de física tão ruins assim?

Vamos um pouco mais adiante com as indagações: porque os professores de física, como eu, que são concursados e estão lecionando (e, portanto, são parte dessa minoria que compõe a elite dos menos que 8% aprovados) são também considerados ruins pelos resultados que obtém em sala de aula? Eu, por exemplo, não consigo ensinar nem 30% do que julgo ser o necessário que meus alunos aprendam! Porque meu ensino é tão ruim se sempre fui um dos primeiros colocados nesses concursos para efetivação de professores?

Vejo claramente duas linhas de reflexão sobre esse tema:
  1. Os professores que têm sido formados pelas universidades para lecionar física são pessimamente formados. Saem da universidade tão ruins que não conseguem dominar sequer os conteúdos minimos que terão que ensinar aos seus alunos. Não são físicos e nem professores, mas recebem diplomas da universidade atestando que são ambos! Que universidade é essa que não é capaz de formar professores de física, mas atesta que os forma?
  2. Mesmo os professores concursados e que, supostamente, tiveram um boa formação que lhes permitiu passar no concurso (o que é uma grande besteira, porque esse concurso tem um nível inferior ao do vestibular para ingresso na própria universidade), mesmo esses professores não têm como lidar corretamente com a aprendizagem de alunos que já nem conseguem aprender mais nada, muito menos física. O que fazer com esses alunos e professores além de criticá-los gratuitamente?
Professores ruins não conseguem ensinar bem. Professores bons também não estão conseguindo. Então o que se pode fazer? Se, por um lado eu poderia "contar vantagem" por estar entre o supra-sumo da elite dos professores de física, por outro, eu sei que o meu aluno aprende muito pouco e tenho consciência de que estou fazendo o meu melhor. Como fico diante dessa situação, sabendo que meu ensino não é significativamente melhor, pelos resultados que apresenta, do que o ensino de qualquer outro professor de física?

Até quando as cabeças pensantes desse país, se ainda existem, continuarão fazendo de conta que o problema da educação está apenas no professor e no aluno que estão dentro das salas de aula? Até quando as universidades continuarão impunemente despejando no mercado professores que não têm condição nem mesmo de aprender aquilo que deveriam ensinar? Até quando vão tolerar governos incompetentes que desprezam a educação e os próprios professores? Até quando os "formadores de opinião" continuarão se omitindo e se acovardando em troca de contratos, empregos e facilidades que obtém das tetas cheias da viúva?

E, enquanto nada disso acontece, lá vou eu para a sala de aula, ensinar física para alunos que, em grande número, não sabem ler, escrever, efetuar operações aritméticas básicas e, principalmente, não sabem a diferença entre ir para a escola ou ficar batendo batendo papo em uma roda de amigos na hora do intervalo. Alunos que, como muitos de seus professores, não aprenderam a aprender. E, como já diria um certo humorista sem graça, "o salário, ó!".

P.S. oportuno: após corrigir as primeiras provas do segundo bimestre, noto uma melhora, ainda tímida, mas efetiva, nos resultados da aprendizagem dos meus alunos. Tenho agora, aproximadamente, 25% dos meus alunos aprendendo um pouco (muito pouco ainda) de física. Para mim ainda é um resultado muito decepcionante, mas comparado à minha própria classe de "professores de física", esses meus alunos representam um percentual 300% maior de gente "aprendendo física". Tenho esperanças de conseguir elevar esse percentual para 30% ainda nesse bimestre e, talvez, conseguir atingir os 40% até o final do ano letivo. São números ridículos, eu sei, mas que representam uma verdadeira façanha diante da realidade onde a escola pública se insere.

domingo, 16 de maio de 2010

Excesso de expectativas

Se você é um professor que acredita que seus alunos devem aprender os conteúdos da sua discplina e desenvolver habilidades e competências, mas não vê isso acontecendo, então provavelmente o problema seja seu (das suas expectativas) e não dos seus alunos (que representam a realidade). Pelo menos foi isso que eu disse ontem para uma colega que reclamava de ter preparado uma aula espetacular e não ter conseguido sequer dá-la, porque seus alunos não a deixaram.

Por mais que isso soe estranho, me parece bastante verdadeiro. Nós professores ainda somos bastante tolos ao esperar que possamos resolver todos os problemas de aprendizagem sendo apenas excelentes professores. Acreditamos muitas vezes que uma aula bem preparada, diversificada, repleta de recursos, contextualizada, etc. etc., fará nossos alunos quererem aprender. Quanta bobagem!

Nossos alunos já aprendem muito, segundo o que eles mesmos acham, segundo o que seus pais acham e segundo os exemplos que eles obtém na sociedade. Quase todos os famosos (artistas, esportistas, sujeitos da mídia, etc.) são semi-analfabetos, mas fazem sucesso, ganham muito dinheiro e são "formadores de opinião". Professor só aparece na mídia quando apanha de aluno, da polícia ou quando é pego fazendo alguma bobagem.

A cultura de que a escola não tem a menor importância está tão difundida na sociedade que é difícil convencer alguém do contrário. Temos mais pessoas bem qualificadas sem emprego do que pessoas desqualificadas, e mesmo dentre aqueles que "supostamente são cultos", vemos aberrações que nos desanimam. Veja abaixo, por exemplo, nosso ex-governador, José Serra, que é economista, tentando dar uma aula sobre porcentagem para uma classe de alunos (provavelmente) da sexta-série:


Esqueça, por um momento, que ele não sabe fazer a conta que está tentando ensinar aos pequenos e note apenas a didática miserável, a fala mole, monótona e interrompida, quase sempre de costas para a classe, veja o posicionamento desordenado do texto na lousa, o uso nada inteligente de cores e marcadores, note o bagunça e a desatenção que ele consegue da classe (mesmo sendo um fato inusitado e atípico em uma sala de aula, os pequenos não estão ligando a mínima para o que ele fala). Isso sim é um bom exemplo de méritocracia!

(*) Nota explicativa: Serra não é economista nem engenheiro porque não concluiu nenhuma dessas graduações (fonte: O Globo, 18/08/2009, pág. 3). E muito menos é professor, então devemos dar um desconto para a falta de mérito dele.

Depois ainda reclamamos quando os caderninhos que enviam para os alunos têm dois Paraguays, e em lugares errados do mapa, quando escrevem "encinar" ao invés de "ensinar", ou quando enviam livros com palavrões para os pequeninos. Oras, isso parece que se tornou a referência de normalidade  e meritocracia paulista, e as aberrações ainda são professores que, como minha colega, acreditam que podem fazer a diferença apenas sendo bons professores e preparando boas aulas.

A escola (pública) vive uma crise muito profunda e antiga. E ano após ano nossos governos incompetentes conseguem fazer o que todos acreditavam ser o impossível: pioram nossa Educação ainda mais. Desviam o dinheiro da educação (O estado de São Paulo desviou R$ 660.000.000,00 no ano apassado, segundo dados do MEC), investem o dinheiro público em contratos estranhos com empresas que se tornam financiadoras das campanhas políticas desses mesmos políticos (veja a quantidade de dinheiro que foi torrada com esses caderninhos do aluno, que no ano passado todo foram inutilizados por sequer chegarem às escolas em tempo de serem usados), inventam sistemas de avaliação "por mérito" onde o próprio professor não tem nenhuma participação (uma espécie estranha de condenação à revelia) e nada pode fazer para "ter mérito", criam planos de destruição da carreira baseados falsamente em uma meritocracia tão real quanto os resultados estatísticos que manipulam para fazer parecer que o Ensino melhorou em "algum" aspecto. Enfim, a escola pública brasileira, e em especial a paulista, foi jogada na lata do lixo há muito tempo e ninguém dá  mínima para isso.

Aqui, dentro da escola, ainda temos esses professores teimosos que preparam boas aulas, discutem a aprendizagem dos alunos, atuam em múltplicas funções (que vão de babás até conselheiros matrimoniais) e ainda teimam em querer ensinar suas próprias disciplinas. Lá fora, centenas de incompetentes, sem nenhum mérito, embolsam gordos salários em cargos inúteis nas secretarias, alguns recebem comissões diretamente do caixa 2, 3 e sabe-se lá quantos mais, com verbas desviadas e para a finalidade de produzir estatísticas falsas. A maioria posa de político competente para as fotografias e têm a cara de pau de atribuir aos professores a culpa pelo fracasso de um sistema que parece que ninguém quer mesmo que funcione, principalmente esses mesmos políticos.

Minha colega vai continuar preparando boas aulas e continuará se frustrando toda semana. Nossos políticos continuarão canastrões como sempre foram e seus laranjas distribuídos pelas secretarias de governos continuarão desfilando sua arrogância de impunes para nos cobrar os méritos que eles mesmos não possuem. Boa aula, colega!