domingo, 23 de maio de 2010

Físicossauros em extinção

Notícia publicada no Estadão On-line, em 22/05/2010, informa que foram aprovados no útltimo concurso apenas 22,8% dos professores que prestaram o concurso para PEBII (Professor de Educação Básica II - que atuam nos ciclos finais do ensino fundamental e no Ensino Médio). Em outros termos, isso significa dizer que 77,2% dos professores paulistas foram péssimamente formados pela universidade, não sendo capazes de atingir a nota mínima 5,0 para serem aprovados e, ainda, que os professores que já estão atuando, e também não foram aprovados, não receberam do estado formação continuada minimamente suficiente para atuarem como professores.

Mais estarrecedora ainda é a notícia de que mais de 92% dos professores de Física foram reprovados! E eles continuarão em sala de aula, lecionando normalmente, porque simplesmente não existem mais bons professores de física disponíveis para o ensino público. Os que restam são fisicossauros em extinção. Porque será?

Ok, eu sou um professor de física que foi aprovado entre os 304 que conseguiram atingir a nota mínima, sou um fisicossauro em extinção, e minha nota não foi nada mínima, mas isso não interessa. Interessa saber que já sou efetivo do cargo e que, portanto, pode-se contar até aqui que apenas 303 foram realmente aprovados. Mas quantos desses, assim como eu, já não são efetivos e só prestaram o concurso "porque gostam de testar seus conhecimentos"? Quantos desses aprovados irão realmente assumir seu cargo em troca do salário (*@#&!%*) que o governo nos paga? Quantos novos professores de física realmente serão contratados?

No concurso anterior, em que fui o segundo colocado na listagem final, os números foram muito semelhantes. Desconfio que no próximo os números serão também bem próximos. Porque isso ocorre? Porque temos professores de física tão ruins assim?

Vamos um pouco mais adiante com as indagações: porque os professores de física, como eu, que são concursados e estão lecionando (e, portanto, são parte dessa minoria que compõe a elite dos menos que 8% aprovados) são também considerados ruins pelos resultados que obtém em sala de aula? Eu, por exemplo, não consigo ensinar nem 30% do que julgo ser o necessário que meus alunos aprendam! Porque meu ensino é tão ruim se sempre fui um dos primeiros colocados nesses concursos para efetivação de professores?

Vejo claramente duas linhas de reflexão sobre esse tema:
  1. Os professores que têm sido formados pelas universidades para lecionar física são pessimamente formados. Saem da universidade tão ruins que não conseguem dominar sequer os conteúdos minimos que terão que ensinar aos seus alunos. Não são físicos e nem professores, mas recebem diplomas da universidade atestando que são ambos! Que universidade é essa que não é capaz de formar professores de física, mas atesta que os forma?
  2. Mesmo os professores concursados e que, supostamente, tiveram um boa formação que lhes permitiu passar no concurso (o que é uma grande besteira, porque esse concurso tem um nível inferior ao do vestibular para ingresso na própria universidade), mesmo esses professores não têm como lidar corretamente com a aprendizagem de alunos que já nem conseguem aprender mais nada, muito menos física. O que fazer com esses alunos e professores além de criticá-los gratuitamente?
Professores ruins não conseguem ensinar bem. Professores bons também não estão conseguindo. Então o que se pode fazer? Se, por um lado eu poderia "contar vantagem" por estar entre o supra-sumo da elite dos professores de física, por outro, eu sei que o meu aluno aprende muito pouco e tenho consciência de que estou fazendo o meu melhor. Como fico diante dessa situação, sabendo que meu ensino não é significativamente melhor, pelos resultados que apresenta, do que o ensino de qualquer outro professor de física?

Até quando as cabeças pensantes desse país, se ainda existem, continuarão fazendo de conta que o problema da educação está apenas no professor e no aluno que estão dentro das salas de aula? Até quando as universidades continuarão impunemente despejando no mercado professores que não têm condição nem mesmo de aprender aquilo que deveriam ensinar? Até quando vão tolerar governos incompetentes que desprezam a educação e os próprios professores? Até quando os "formadores de opinião" continuarão se omitindo e se acovardando em troca de contratos, empregos e facilidades que obtém das tetas cheias da viúva?

E, enquanto nada disso acontece, lá vou eu para a sala de aula, ensinar física para alunos que, em grande número, não sabem ler, escrever, efetuar operações aritméticas básicas e, principalmente, não sabem a diferença entre ir para a escola ou ficar batendo batendo papo em uma roda de amigos na hora do intervalo. Alunos que, como muitos de seus professores, não aprenderam a aprender. E, como já diria um certo humorista sem graça, "o salário, ó!".

P.S. oportuno: após corrigir as primeiras provas do segundo bimestre, noto uma melhora, ainda tímida, mas efetiva, nos resultados da aprendizagem dos meus alunos. Tenho agora, aproximadamente, 25% dos meus alunos aprendendo um pouco (muito pouco ainda) de física. Para mim ainda é um resultado muito decepcionante, mas comparado à minha própria classe de "professores de física", esses meus alunos representam um percentual 300% maior de gente "aprendendo física". Tenho esperanças de conseguir elevar esse percentual para 30% ainda nesse bimestre e, talvez, conseguir atingir os 40% até o final do ano letivo. São números ridículos, eu sei, mas que representam uma verdadeira façanha diante da realidade onde a escola pública se insere.

6 comentários:

  1. Caro mestre JC... Divido aqui contigo as mesmas preocupações que você, e gostaria de acrescentar mais alguns elementos para reflexões. Relendo a excelente reportagem publicada na revista Veja nº 2048 ( http://veja.abril.com.br/200208/p_066.shtml ), impossível não fazer paralelos com o que vemos aqui no Brasil, mas ao mesmo tempo, também vejo claramente qual a solução possível para várias das nossas mazelas... vergonha na cara, por parte daqueles que se aventuram no magistério, e consciência pública por parte daqueles que se aventuram na política!

    Abraços...

    Prof. Suintila

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  2. Olá José Carlos ,bom dia tudo bem ?,eu também fui um dos aprovados no Concurso,a minha opinião é simples e talvez não seja compartihada por muitos,mas vejo que condenamos sempre as Universidades , alunos , governo ,diretor e agentes organizadores escolares ,mas nunca nós mesmos,lecionei alguns anos e parei ,percebi muitas vezes professores realmente ruins,mas por preguiça de trabalhar,sei que existem turmas mais complicadas,mas será que nada mudou ?.Os que foram reprovados com certeza vão melhorar e muito,sua atuações,desde que percebam que eles é que estão ruins ,nenhum aluno os prejudicou no concurso,eles foram incompetentes mesmo.O concurso foi realmente muito difícil mas ,quem trabalha em sala de aula teria por obrigação saber,pois é tudo aquilo que ensinamos ,não é mesmo.(a minha área foi Ciências )
    Uma boa semana

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  3. Então, José Carlos... você, como eu, é formador de professores. Como formador, qual a sua experiência sobre o porquê desse insistente fracasso escolar dos alunos? Ou, em outras palavras... o que você consegue fazer, como formador, pelos professores que vêm a você, querendo melhorar sua atuação?

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    1. Olá "Anônimo" (coisa estranha falar com um "anônimo", he he, mas vá lá),

      O foco desse texto não é a péssima formação que as universidades oferecem aos professores, mas sim a dificuldade de ensinar Física para alunos provindos da progressão continuada (que chegam ao ensino médio com aprendizagens equivalentes ao quinto ano).

      Não acredito que o fracasso escolar NO ENSINO MÉDIO possa ser atribuído aos professores do Ensino Médio. A parcela de responsabilidade deles nesse processo é bem menor do que gostariam seus críticos.

      Podemos melhorar, sim, a qualidade dos professores de Física que estão atuando na rede, mas isso também não tem muito impacto em um cenário no qual a maioria das aulas de Física são dadas por pessoas que NEM SÃO PROFESSORES DE FÍSICA. E também não podemos dizer bobagens como "então vamos mandá-los embora!" simplesmente porque NÃO HÁ OUTROS! Esse é o foco do artigo: não temos mais professores de Física e os poucos que restam não são mágicos, isto é, mesmo bem capacitados eles não podem transformar analfabetos funcionais em alunos proficientes dando duas aulas semanais em um sistema que aula "semana sim semana não". É ridículo esperar que uma escola funcione dessa forma.

      Abraço,
      JC

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    2. Pois é, mas é exatamente essa a minha preocupação: temos uma realidade adversa com a qual temos que trabalhar - alunos semi-analfabetos, estruturação física precária das escolas, coordenação escolar despreparada e contraproducente, violência, indolência, etc. E temos professores que, embora saibam que não serão milagreiros, querem fazer alguma coisa para contribuir, melhorar esse cenário. E o que nós, formadores, conseguimos fazer por eles?
      (A propósito, sou Anne, é que não soube selecionar um perfil).
      Porque não adianta ficar dando cursos de física, da maneira como estamos oferecendo, pensando que o conhecimento de física, por si só, vai resolver o problema, porque o problema não está aí. Mas é o que a SEED e demais centros de formação vêm insistentemente fazendo. E o resultado disso é que os professores aprendem física, mas continuam se sentindo incompetentes para atuar dentro dessa realidade.
      Então, sabe o que eu acho? Que, embora a choradeira não resolva, temos que partir dela - partir dessa constatação da realidade - e aprender com ela, para conseguirmos auxiliar os professores de forma mais efetiva. Porque o que eu tenho visto por aí é que os formadores também não sabem. Eles estão ensinando o professor, mas seriam menos capazes que ele de sobreviver na sala de aula...
      Eu concordo com vc que o problema é muito complexo e não adianta ficar apontando o dedo para o professor - no entanto, é o professor que está lá, e ele quer fazer alguma coisa, ele quer ser capaz de, através da mecânica e do eletromag (mesmo que o aluno não saia sabendo tanto quanto o currículo preconiza, e o quanto gostaríamos), conseguir colaborar com a sociedade, formando um cidadão mais consciente, mais responsável e tal. Como se faz isso? --- Como ajudar o professor?
      E a gente já viu que esses cursos de física, e mesmo essas oficinas, com atividades experimentais e tal, não estão conseguindo. E os cursos "de educação" também não estão...

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    3. Oi Anne, é bem melhor quando temos um nome para nos referir.
      Concordo com sua análise e não tenho nenhuma reparação a fazer no que você disse. E, por isso mesmo, acredito que nesse modelo de escola que temos nenhum professor "descobrirá uma fórmula mágica" (e nem nós, também formadores). A solução passa inevitavelmente pela mudança do modelo.

      Abraço,
      JC

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