domingo, 16 de maio de 2010

Excesso de expectativas

Se você é um professor que acredita que seus alunos devem aprender os conteúdos da sua discplina e desenvolver habilidades e competências, mas não vê isso acontecendo, então provavelmente o problema seja seu (das suas expectativas) e não dos seus alunos (que representam a realidade). Pelo menos foi isso que eu disse ontem para uma colega que reclamava de ter preparado uma aula espetacular e não ter conseguido sequer dá-la, porque seus alunos não a deixaram.

Por mais que isso soe estranho, me parece bastante verdadeiro. Nós professores ainda somos bastante tolos ao esperar que possamos resolver todos os problemas de aprendizagem sendo apenas excelentes professores. Acreditamos muitas vezes que uma aula bem preparada, diversificada, repleta de recursos, contextualizada, etc. etc., fará nossos alunos quererem aprender. Quanta bobagem!

Nossos alunos já aprendem muito, segundo o que eles mesmos acham, segundo o que seus pais acham e segundo os exemplos que eles obtém na sociedade. Quase todos os famosos (artistas, esportistas, sujeitos da mídia, etc.) são semi-analfabetos, mas fazem sucesso, ganham muito dinheiro e são "formadores de opinião". Professor só aparece na mídia quando apanha de aluno, da polícia ou quando é pego fazendo alguma bobagem.

A cultura de que a escola não tem a menor importância está tão difundida na sociedade que é difícil convencer alguém do contrário. Temos mais pessoas bem qualificadas sem emprego do que pessoas desqualificadas, e mesmo dentre aqueles que "supostamente são cultos", vemos aberrações que nos desanimam. Veja abaixo, por exemplo, nosso ex-governador, José Serra, que é economista, tentando dar uma aula sobre porcentagem para uma classe de alunos (provavelmente) da sexta-série:


Esqueça, por um momento, que ele não sabe fazer a conta que está tentando ensinar aos pequenos e note apenas a didática miserável, a fala mole, monótona e interrompida, quase sempre de costas para a classe, veja o posicionamento desordenado do texto na lousa, o uso nada inteligente de cores e marcadores, note o bagunça e a desatenção que ele consegue da classe (mesmo sendo um fato inusitado e atípico em uma sala de aula, os pequenos não estão ligando a mínima para o que ele fala). Isso sim é um bom exemplo de méritocracia!

(*) Nota explicativa: Serra não é economista nem engenheiro porque não concluiu nenhuma dessas graduações (fonte: O Globo, 18/08/2009, pág. 3). E muito menos é professor, então devemos dar um desconto para a falta de mérito dele.

Depois ainda reclamamos quando os caderninhos que enviam para os alunos têm dois Paraguays, e em lugares errados do mapa, quando escrevem "encinar" ao invés de "ensinar", ou quando enviam livros com palavrões para os pequeninos. Oras, isso parece que se tornou a referência de normalidade  e meritocracia paulista, e as aberrações ainda são professores que, como minha colega, acreditam que podem fazer a diferença apenas sendo bons professores e preparando boas aulas.

A escola (pública) vive uma crise muito profunda e antiga. E ano após ano nossos governos incompetentes conseguem fazer o que todos acreditavam ser o impossível: pioram nossa Educação ainda mais. Desviam o dinheiro da educação (O estado de São Paulo desviou R$ 660.000.000,00 no ano apassado, segundo dados do MEC), investem o dinheiro público em contratos estranhos com empresas que se tornam financiadoras das campanhas políticas desses mesmos políticos (veja a quantidade de dinheiro que foi torrada com esses caderninhos do aluno, que no ano passado todo foram inutilizados por sequer chegarem às escolas em tempo de serem usados), inventam sistemas de avaliação "por mérito" onde o próprio professor não tem nenhuma participação (uma espécie estranha de condenação à revelia) e nada pode fazer para "ter mérito", criam planos de destruição da carreira baseados falsamente em uma meritocracia tão real quanto os resultados estatísticos que manipulam para fazer parecer que o Ensino melhorou em "algum" aspecto. Enfim, a escola pública brasileira, e em especial a paulista, foi jogada na lata do lixo há muito tempo e ninguém dá  mínima para isso.

Aqui, dentro da escola, ainda temos esses professores teimosos que preparam boas aulas, discutem a aprendizagem dos alunos, atuam em múltplicas funções (que vão de babás até conselheiros matrimoniais) e ainda teimam em querer ensinar suas próprias disciplinas. Lá fora, centenas de incompetentes, sem nenhum mérito, embolsam gordos salários em cargos inúteis nas secretarias, alguns recebem comissões diretamente do caixa 2, 3 e sabe-se lá quantos mais, com verbas desviadas e para a finalidade de produzir estatísticas falsas. A maioria posa de político competente para as fotografias e têm a cara de pau de atribuir aos professores a culpa pelo fracasso de um sistema que parece que ninguém quer mesmo que funcione, principalmente esses mesmos políticos.

Minha colega vai continuar preparando boas aulas e continuará se frustrando toda semana. Nossos políticos continuarão canastrões como sempre foram e seus laranjas distribuídos pelas secretarias de governos continuarão desfilando sua arrogância de impunes para nos cobrar os méritos que eles mesmos não possuem. Boa aula, colega!

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