Pronto! Terminei a primeira semana de aulas do ano. Confesso que foi muito divertido.
Fato: não temos mais café na sala dos professores. Até então, como em infinitas outras escolas, tínhamos que fazer uma vaquinha para comprar café, açúcar, coador e água. O pessoal da cozinha ou da cantina passava o café, sempre com pouquíssima vontade, e o resultado era invariavelmente um "chafé" desgraçado de ruim. E todos, pagantes e não-pagantes, viviam felizes para sempre tomando seu cafezinho (e seu chazinho, que também desapareceu embora nunca fosse citado como parte do "pacote"). Agora, sem café, nem mesmo as "bolachas pedagógicas", aquelas bolachas horríveis que distribuem para os alunos na merenda, vêm para a sala do professores.
Já houve muitas sugestões alternativas para que tivéssemos nosso cafezinho sem ter que fazermos uma penosa e inadiministrável vaquinha, mas todas foram barradas até agora, mesmo as sugestões que poderiam dar certo. Porque? Me perguntei durante um longo tempo qual seria o motivo que forçaria uma única solução possível: continuarmos a fazer vaquinha e perdermos horas em discussões inúteis sobre como cobrar de cada um, quem encarregar para fazer as cobranças, o que fazer com os não pagantes que tomam o café do mesmo jeito, etc. (Quanta besteira! E todo esse besteirol é discutido em reuniões pedagógicas). Acho que descobri a resposta...
Fornecer café aos professores, por qualquer fonte de recursos que não provenha deles mesmo, é visto como "desvio de conduta e de recursos". Ou seja, eu como professor posso (na verdade sou obrigado) pagar meu próprio café, mas não posso doar dinheiro para a escola para que a escola sirva café para os professores. Uma vez que o dinheiro seja associado à escola ele jamais pode ser desviado para "pagar mordomias aos professores". Eu sei que soa estranho, mas é exatamente isso!
Se você visitar a Secretaria de Educação vai encontrar uma ou duas máquinas de café em cada corredor. Em todas elas o café, o capuccino, o leitinho ou o chocalate quente são servidos gratuitamente com o apertar de um botão, seja você um funcionário ou um visitante. Aliás, a água é mineral e também é "free". Quem será que faz vaquinha para pagar isso? Não importa, nas escolas nada pode ser servido aos professores senão água da torneira. Qualquer outro "agradinho" soará como corrupção, desvio de verbas, etc.
Que falta nos faz um Arruda para distribuir panetones...
Até aí tudo se parece apenas com um problema menor, talvez apenas uma implicância minha. Afinal, para que professores precisam de café, bolachas horríveis ou outras "mordomias"? Além do que, nem se compara a importância de um mero professor com um transeunte da Secretaria de Educação, confere?
Mas vamos um pouco além... O giz que usamos é uma porcaria. Destroi a mão, quebra à toa, não fixa direito na lousa esburacada e é quase sempre apenas branco. O gis colorido, quando existe, é de péssima qualidade e vem em uns tons pastéis que não colorem coisa alguma. Se você quiser outro, compre. O mesmo vale para o apagador, que invariavelmente não apaga nada e só faz "meleca" e esparrama pó para todo lado. Se não gostou, compre o seu.
Provas e listas de exercícios... Hum... O aluno tem que copiar no caderno dele porque se você quiser distribuir cópias impressas terá que pagar o xerox ou a impressão. E não pode pedir dinheiro para os alunos, nem tem verba na escola para bancar esse "desperdício de recursos".
Aos poucos eu vou notando que desde as pequenas coisas, como um gasto de cerca de R$ 300,00 para fornecer café e chá com bolacha pedagógica para todo o corpo docente durante o ano todo, até coisas muito mais relevantes, como dispor de materiais impressos gerados pelo próprio corpo docente para apoiar o processo de ensino e aprendizagem, absolutamente tudo onde o professor "põe a sua mão suja de giz", precisa ser bancado pelo próprio professor ou caracteriza uso indevido do dinheiro público (mesmo que não seja público!). De onde veio essa cultura facista que trata o corpo docente como pária de um sistema falido e hipócrita? Porque todos aceitam isso com tamanha naturalidade a ponto de se orgulharem de ter comprado um apagador novo, de trazer seu próprio giz colorido ou de pagarem o xerox das provas dos seus alunos?
Deixando de lado o café requentado, nessa primeira semana já deu para perceber que alguns professores se estressam fácil e outros têm o dom da vidência e já sabem até quais alunos irão reprovar daqui há dez meses! Ou seria somente mais um aspecto do charlatanismo pedagógico que habita as reuniões de HTPC?
Fulano tem que mudar de classe porque está convesando com ciclano; aquela menina não pára de falar com a coleguinha de trás; aquele menino de topete moicano não tem educação nem respeito e conversa durante a aula toda... Enquanto isso quase ninguém se entende em meio a uma reunião onde todos falam ao mesmo tempo, riem, fazem piadinhas e se incomodam quando a coordenação berra para tentar ser ouvida. Nem Dali, em seus momentos de insanidade, seria capaz de retratar essa cena típica de HTPC. Nessas horas eu tenho saudades da tranquilidade da sala de aula.
E por falar em salas de aula, conheci enfim todas as minhas cinco salas. A última foi o primeiro ano do noturno. Classe legal, cheia de alunos falantes que tem um bom potencial para virem a ser participantes animados e me impedirem de cair no marasmo das aulas monotônicas.
Já os terceiro da manhã são o sonho do professor que quer tranquilidade. Com uma média de 27 alunos por sala dá até para tirar uma soneca. O que salvou minha aula de hoje cedo em um desses terceiro foi um besouro providencial que resolveu entrar na sala e dar vôos rasantes que mantiveram os pequeninos acordados por alguns minutos.
Resumindo, tenho cinco salas ótimas e recheadas com um universo multicolorido de alunos de todos os tipos. Tenho um ano inteiro para fazer alguns deles entenderem alguma coisa sobre física ou, pelo menos, decorarem qual a disciplina que leciono. Só não tenho mais o cafezinho da discórdia (a menos que eu leve de casa).
E la nave va...
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