sábado, 9 de maio de 2009

A fênix renasce

Certo dia minha diretora me perguntou porque que eu "fico dando murros em ponta de faca". Ela supõe, corretamente, que eu poderia estar ganhando muito mais dinheiro se usasse as 40 horas semanais que trabalho para a escola, e pelas quais recebo oficialmente por 25, trabalhando para a iniciativa privada, ONGs e fundações (para as quais na verdade já trabalho nos meus outros cinco "empregos").

Alguns colegas professores, e de outras áreas, também me perguntam isso de vez em quando. O que não sabem é que eu mesmo me faço essa pergunta todos os dias, e todos os dias eu encontro uma resposta diferente para "continuar dando meus murros em ponta de faca". Talvez seja por isso que sou tão persistente. Talvez eu acredite que já tendo sobrevivido 26 anos nesse meio e não tendo sido corrompido por ele, quem sabe eu consiga sobreviver mais alguns...

O fato é que a fêniz renasce para o segundo bimestre. Dom Quixote avista novos moinhos de vento e se lança contra eles para a honra e glória de sua amada Dulcinéia. E lá vamos nós, mais uma vez, outra vez, novamente.

Comecei essa semana mostrando números aos meus alunos. Eles odeiam números. Acham que são inúteis e "dão trabalho". E eles estão parcialmente corretos, pois os números dão mesmo trabalho e eu devo muito do meu trabalho a eles, de onde vem que estão errados sobre a parte da "inutilidade". Foi sobre isso que lhes falei nessa semana, ao apresentar, comentar e discutir os resultados finais do primeiro bimestre. E é sobre isso que quero falar também aqui, nessa minha nave perdida em algum lugar do universo binário dos blogs pouco lidos, mas brindados com uma audiência qualificada.

Números!

Pesquisa recente da FGV mostra aquilo que eu e muitos colegas já estamos cansados de saber: a razão maior que leva ao abandono escolar é o desinteresse do aluno pela escola. Cerca de 40% dos alunos que abandonam a escola o fazem simplesmente porque "não gostam de estudar". E, afinal de contas, porque eles deveriam gostar?

A escola é chata, tem horários rígidos que devem ser cumpridos, tem organização, hierarquia, regras e normas. Além disso, na escola tem umas pessoas chatas que insistem em "dar aula" e não deixam o aluno fazer o seu orkut-presencial em paz. Chega-se mesmo ao cúmulo de pedirem tarefa para casa! Veja que absurdo?!

Na escola os professores parecem não compreender que para se dar bem na vida basta ter sorte, que há apresentadores de TV milionários, artistas que ganham fortunas, cantores podres de rico, jogadores de futebol e corredores de fórmula 1 que nem conseguem contar o dinheiro que têm. E eles nunca falam da escola que tiveram ou não tiveram. A escola não lhes serviu para nada. Há até quem diga que o próprio Presidente da República é um apedeuta que confirma essa tese.

Não bastasse tudo isso, nossos alunos ainda assistem rotineiramente na TV (porque raramente lêm bons jornais e revistas, embora eles também publiquem isso quase todo dia) que a escola está decadente, o ensino é ruim, a escola é antiquada e, se for pública então... Aí já nem é mais escola, é pura perda de tempo, certo?

Errado! Tudo isso está ERRADO!

O que os números (sim, eles!) nos mostram é que para cada ano investido em estudo o retorno é maior do que qualquer outro investimento. Abandonar ou menosprezar a escola para trabalhar, por exemplo, gera um prejuízo imenso para a pessoa e para o país. Mas quem acredita nisso?

Não é preciso acreditar, basta olhar para eles... Os números! Eu vou reproduzir aqui um resumo do que mostrei para meus alunos (e vou usar os números para o Ensino Médio):

Um jovem que abandona a escola durante o Ensino Médio e tem, portanto, escolaridade correspondente ao Ensino Fundamental (porque somente este está completo nesse caso), tem um salário médio de R$ 604,00 (variando até R$ 847,00 para os concluintes do Ensino Médio). Com esse salário, e supondo que sempre se mantenha empregado (o que não é verdade, mas não faz muita diferença nos números finais), um jovem que abandona a escola terá recebido em salários R$ 274.820,00 até quando completar 35 anos de trabalho e (supondo que fosse possível) se aposentar, parando de trabalhar.

O mesmo Jovem, se completar o Ensino Médio, receberá no mesmo período R$ 385.385,00. Se completar o Ensino Superior, que é o objetivo que eu gostaria de despertar neles, terá ganho R$ 786.240,00 ou, R$ 511.420,00 a mais!

Ahá! Então abandonar a escola, mesmo tendo terminado o Ensino Médio, para "poder trabalhar", significa ter um prejuízo de R$ 511.420,00, ou seja, praticamente o dobro do que o sujeito ganhará abandonando a escola para trabalhar!

As "contas" podem ir muito além disso, mas não vou me estender muito nesse texto porque isso aqui ainda é um blog e blogs não são o melhor lugar do mundo para textos extensos.

Então vamos logo ao ponto: um prejuízo semelhante é o que estão tendo os nossos alunos que, mesmo não abandonando o Ensino Médio, acreditam que ele não tem importância e não se dedicam aos estudos. E esse prejuízo está sendo causado em grande parte por nós professores, pelos pais desses alunos e pela sociedade apedeuta que não lê pesquisas, relatórios e trabalhos acadêmicos sobre a educação, mas que insiste em ter uma opinião (geralmente degradante) sobre a escola.

Nas nossas salas de aula, dentre os alunos que "ainda não abandoram a escola", é lícito inferir que proporção semelhante a esses "40%" também seja de alunos que "não gostam da escola, não querem aprender e acreditam que a escola e tudo o que se ensina nela lhes será inútil". Esses alunos são altamente propensos a "desistirem já" (o que nos remete aos índices de evasão escolar de cada unidade) e resistem bravamente a qualquer metodologia de ensino, ainda que seja moderna, dinâmica e "interessante", resultando nos péssimos índices apontados pelas avaliações externas atualmente em moda. Eles simplesmente "não gostam DE escola".

Grande parte desses alunos não prosseguirá seus estudos, mesmo tendo terminado o Ensino Médio. Dos que prosseguirão, a maioria o fará trabalhando e pagando faculdades particulares (onde gastarão entre R$ 20.000,00 e R$ 100.000,00) que não lhes dará nenhuma vantagem competitiva no mercado de trabalho em relação aos alunos das faculdades públicas. Ainda que esses poucos que concluirão o Ensino Superior ganhem parte desse "meio milhão desperdiçado pela vagabundagem adolescente", aqueles que investem em seus estudos e conseguem vagas nas universidades públicas ganharão entre meio e dois milhões a mais!!!


Eu tenho cerca de 300 alunos e se eu deixar que 40% deles (120) desperdicem meio milhão cada um, terei contribuído para um prejuízo social de R$ 60.000.000,00, no mínimo! Ah claro, não serei o único culpado, etc., etc. (e segue aquele discursinho de colocar a culpa no outro), mas pelo menos estou ciente de que o meu trabalho pode gerar uma riqueza muito grande se eu conseguir convencer esses meus "pequenos artistas famosos pouco dados ao estudo" a deixarem a vagabundagem de lado e investirem em si mesmos. Não porque esse investimento traduzido em horas de estudo, tarefas feitas e atenção às aulas, seja algo que nós, os "adultos", queiramos impor a eles, mas porque isso representa algo que até o mais estúpido dos mortais compreende como importante: DINHEIRO NO BOLSO!

Voltando ao início, o segundo bimestre está começando e mais uma vez voltarei para casa todos os dias me perguntando porque não mando tudo isso à mer...cearia e vou ganhar meu dinheiro em outras pastagens... Mas, veja aí mais um motivo: se eu fizer meus alunos ganharem esses R$ 60.000.000,00, pelo menos, eu creio que parte desse dinheiro retornará para mim como benefícios naturalmente decorrentes de uma sociedade mais rica, mais produtiva, menos violenta, mais saudável e agradável. Eu não me oponho a investir também algum dinheiro meu na educação dos outros, pois a distância entre "eu" e os "outros" é muito menor do que imaginam aqueles que pensam que podem viver sozinhos em uma ilha (da fantasia).

4 comentários:

  1. Caro, JC.

    Preciso confessar que até agora, lamentavelmente (para mim) eu compunha o grupo responsável pelas estatísticas que supostamente atribuíram o título de "blogs pouco lidos" à sua Nave Escola. Entretanto estou impressionada com a qualidade desse seu artigo! Daí compreendo porque o outro grupo (no qual eu gostaria de ingressar, se tivesse as credenciais necessárias), é definido como "audiência qualificada".

    Você não só escreveu sobre um assunto relevante e pertinente, como também o fez de forma extremamente inteligente, divertida e instigante.

    Até então eu só era fã, assim, do blog do meu marido, mas preciso avisá-lo de que a concorrência está forte... (Ainda bem que nesse ramo, um concorrente dificilmente tira o cliente do outro, mas o cliente exigente passa a consumir mais, somando bons fornecedores.)

    Incrível eu ter demorado tanto a lê-lo!. Eu já havia sido atingida pelo seu departamento de maketing. Mas resisti, sob o pretexto de estar sem tempo para clicar no link e conhecer a Nave Escola por dentro.

    Agora virei fã de carteirinha...

    Preciso colocar a leitura em dia... A julgar por este, tenho muito a me informar e emocionar com seus outros artigos.

    Parabéns!

    Beijinhos...

    Paloma

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  2. Olá professor

    Trabalho com adultos, alguns deles, que não gostavam de estudar quando jovens... Hoje são os alunos mais interessados com os quais lidamos. O principal motivo de terem voltado a estudar não é o prejuízo que tiveram em suas vidas, mas aqueles que estão transmitindo aos filhos, inclusive nas "lições de casa" que não conseguem acompanhar e orientar. Eles veem a repetição de um ciclo, e de alguma forma querem rompê-lo. Então, começam por si próprios, talvez tardiamente, em termos de números, mas resgatando a simbologia da fênix.
    Trabalho há 27 anos, e algumas vezes tive vontade de mandar tudo à mer...ceria também. Mas como você, quero receber os "benefícios" da educação "dos outros" que a vida colocou diante de mim.
    Um abraço, e parabéns pelo texto.

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  3. Teacher,

    Seu artigo está emocionante e, ao mesmo tempo, racional. Lutar contra moinhos de vento pode render tempestades monetárias e vento constante no rumo certo para a sociedade em geral. No entanto, se move

    grande beijo da fã,

    merrel

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  4. Nossa, como me incomodadou o início do texto, quase sai da home, até que li a frase: "Errado! Tudo isso está ERRADO!". Maravilha! Me deu um alívio, uma vontade de conhecer suas idéias... foi um prazer viajar com a Fênix.
    Estarei aqui outras vezes.
    Muito sucesso pra você, e acredite sempre, que nós professores fazemos a diferença no mundo...

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