sábado, 5 de dezembro de 2009

Dezembro, preguiça e empurra-empurra

Tivemos uma semana curta, nesse início de dezembro, com direito a feriado local (aniversário da cidade) em plena sexta-feira. Os alunos, conforme todos sabem, já bateram em retirada. Aparecem alguns para entregar tarefas atrasadas ou tentar negociar alguma saída para o problema sem solução que criaram ao longo de um ano todo: falta de "nota".

É interessante perceber que o que se quer é sempre "nota", "aprovação" e "custo zero". Economicamente falando, esse é o princípio fundamental do capitalismo moderno: o maior lucro possível com o menor investimento e sob risco zero. A escola é moderna nesse sentido. Vejamos porque:

1 - As classes que temos são multisseriadas, como aquelas de escolas rurais em que os alunos de todas as séries estudam juntos sob os cuidados de uma única professora. A diferença aqui é que eles estão todos em uma mesma série e classe, embora uns poucos estejam na série correta e a maioria esteja com defasagem de um, dois, três ou até quatro anos (ou mais!) de defasagem em relação à aprendizagem. É óbvio que em um ambiente multisseriado onde os alunos são obrigados a terem um currículo igual para todos, as mesmas avaliações, as mesmas atividades e um tempo irrisório de contato individual com o professor, o resultado é que a nivelação é sempre feita por baixo. Se não se fizer isso teremos a aprovação apenas dos alunos que realmente deveriam estar nessa série, ou seja, algo em torno de 10 a 20% da sala;

2 - Os oito anos de progressão continuada que os alunos já vivenciaram no Ensino Fundamental já os educou para serem irresponsáveis, inconsequentes, desmotivados, desonestos e imaturos. Sem falar da óbvia falta de aprendizagem. Então não se pode esperar que no Ensino Medio iremos conseguir transformar em um, dois ou três anos, esse mesmo aluno em um aluno "idealizado pelos exames externos" (razão pela qual os resultados desses exames são tão ruins). Mas não foram só os alunos que foram educados para acreditarem que a escola não têm nenhuma importância em suas vidas... a escola também foi! A própria escola reconhece que a melhor forma de agir é empurrá-los adiante e deixar que eles resolvam seus problemas futuros a partir de alguma solução mágica que não dependa de suas próprias capacidades;

3 - Os diferentes níveis de gestão do Ensino também apostam suas fichas na teoria do "Grande Tapete", onde se vai empurrando toda a sujeira para debaixo desse tapete e faz-se de conta que está tudo bem. A Secretaria da Educação quer resultados para barganhar politicamente e instrui os órgãos vinculados a ela a criarem meios de produzir esses números isentando a própria Secretaria de qualquer responsabilidade. As DEs, que se parecem bastante com braços políticos-corporativistas, orientam supervisores e diretores a seguirem a cartilha recebida sem qualquer contestação ou adaptação e, por fim, estes repassam aos PCOPs e coordenadores das escolas as "ordens que receberam" e, então, esses últimos apenas levam e trazem os "recados" para os professores. O sistema é "perfeito" porque parece agradar à todos;

4 - Os recados que os professores recebem desses pombos-correios do sistema é sempre o mesmo: aprovação a qualquer custo. Nada contra, mesmo porque seria ridículo reprovar um aluno em uma escola tão ruim. Até os pombos, que empesteiam as janelas das salas com seus excrementos, aprendem tanto quanto os alunos "assistindo nossas aulas" ao longo do ano; seria muito injusto reprová-los, os pombos, ou reprovar aos alunos que, pelo menos, usam o banheiro na maioria das vezes;

5 - Por fim, aqueles alunos que vieram à escola uma vez ou outra, e nem sequer cumpriram 75% da frequencia mínima exigida, arrumam atestadinhos, a escola dá as aulas por compensadas automaticamente e arredonda-se a nota, somando-se dois ou três pontos até ficar azul. Pronto! Estão aprovados! Só correm risco de reprovação aqueles que caírem em desgraça com a direção ou com alguns professores que gritam muito em reuniões; estes, coitados, por vezes até reprovam (hoje em dia é mais raro, mas acontece), embora tenham melhor desempenho do que os "queridinhos" dos professores e da direção.

No final das contas olha-se para os números, as "metas", apagam-se algumas notas aqui, mudam-se outras ali e todos ficam felizes porque o objetivo do sistema todo acaba sendo atingido: alunos sempre aprovados, professores recebendo bônus por "mérito", diretores e coordenadores também (e ainda ficam bem na foto junto com supervisores e dirigentes), dirigentes com cargos "de confiança" garantidos, órgãos vinculados que desempenharam seus papéis conforme lhes foi mandado e, por fim, políticos felizes com números "melhores" para apresentarem em suas campanhas políticas.

Enquanto isso, fora dessa escola, milhares de jovens chegam ao "mercado" e ao "mundo" analfabetos-funcionais, irresponsáveis, preguiçosos e à procura do milagre que lhes prometeram e que todos parecem acreditar que vai acontecer um dia para resolver o problema causado por toda essa infinidade de gentes que receberam salários e bônus, mas que não trabalharam como deveriam (como já dizia dona Rose Neubauer, uma que recebeu bastante como Secretária e trabalhou muito pouco - pelo menos se aplicarmos a ela o mesmo critério de "mérito pelos resultados obtidos" que se aplica aos professores).

Agora entramos na semana da burocracia, da papelada, das cadernetas inúteis com anotações falsificadas e destinadas ao lixo (que é o que elas merecem mesmo). Nessa semana dá-se graças à ausência dos alunos, pois assim pode-se cumprir esse ritual macabro de colocar "pinguinhos nos quadradinhos" e copiar subtítulos de livros didáticos na página de "Atividades desenvolvidas com os alunos". Aff! Como isso é irritante!

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