segunda-feira, 12 de abril de 2010

Hora do pesadelo

Fim de bimestre costuma ser quase sempre uma releitura do filme "A hora do pesadelo", com a diferença de que não é preciso dormir e o Fred vem vestido de "vermelho abaixo da média".

Desde que a geração dos Filhos Bastardos da Progressão Continuada começou a chegar no Ensino Médio, há cerda de uma década, assistimos estarrecidos a um show de horrores de moços e moças que após 10 anos frequentando a escola ainda não aprenderam a ler, escrever, somar, subtrair, multiplicar e dividir. Mas isso está longe de ser o maior crime que cometeram contra esses coitados, o pior mesmo foi tê-los transformados em bactérias estudantis.

Como todos sabemos, as bactérias só sabem reproduzir, não têm um propósito certo para isso e nem para mais nada e, embora não sejam mal humoradas, mal educadas, e nem vivam tendo crises existenciais adolescentes, elas também são chatas pra caramba!

Alguns dos nossos pobres alunos acabaram sendo reduzidos à condição de bactérias estundantis e agora acabam se comportando exatamente dessa maneira: reproduzem tudo aquilo que podem, não compreendem quase nada, não se importam com quase nada, não têm objetivos nem ambições onde a escola se encaixe de alguma forma e, muitas vezes, são adolescentes chatos e estressados. A gente os ama, mas nem todo o amor de um professor poderia nos cegar a ponto de negar que alguns (muitos) deles sejam realmente "péssimos alunos".

Não que sejam culpados de algo, são antes vítimas que nem mesmo têm consciência do que lhes fizeram, mas são vítimas que perigosamente passarão ao papel de algozes de outras vítimas em um futuro não muito distante. Esse é o poder e a desgraça da Educação: ela molda carácteres, forma pessoas para o mundo e pincela o esboço do quadro daquilo que seremos no futuro... Para o bem, ou para o mal, ela pode libertar ou agrilhoar, trazer à luz ou imergir nas trevas e, quer queiramos ou não, cada um de nós é um tijolo desse portal ou desse muro.
Nessa semana passada vivenciei uma cena meio démodé: um aluno do terceiro colegial que, após conseguir a façanha de obter nota 1,5 em uma prova "realmente fácil", e que valia 10, sacou do fundo de sua insatisfação a estratégia de "transferência de responsabilidade", questionando se o fato dele e de vários outros colegas terem obtidos resultados muito ruins não significava que, na verdade, o problema era "meu" e não "deles".

O garoto quase acertou: o problema é mesmo meu, mas também é dele, dos seus pais, de todos os professores que ele já teve e, muito em breve (ele já está terminado o colegial!) também será de todos aqueles que acham que a Educação é problema apenas da escola, mas que viverão no mesmo mundo desse meu aluno e de seus amigos.

A incapacidade de ler, escrever e fazer operações aritméticas básicas é chocante, mas nem de longe preocupa tanto quanto a trágica incapacidade de aprender a aprender com que moldaram toda uma geração "Copy & Past". E olha que não estou falando do uso do computador e da internet não, estou falando de copiar da lousa e colar no caderno para dizer mais tarde que "tem a matéria" e "aprendeu aquele conteúdo", e depois, reproduzir em provas exatamente aquilo que copiou (razão pela qual inventaram a "cola"). E, por fim, acabar por acreditar que qualquer coisa diferente disso é um "erro" do professor que "não consegue fazer o aluno tirar boas notas".

Curiosamente, boas notas também não são coisas importantes para a maioria desses alunos. Muitos conseguem boas notas sem nenhum esforço e outros se conformam com o fato de que, independentemente de terem ou não boas notas, serão empurrados adiante de qualquer forma e acabarão equiparados aos demais. Parece até democrático que os alunos sejam "homogeneizados pelo processo" e caminhem todos juntos rumo aos seus certificados, mas seria verdadeiramente libertário se eles caminhassem de fato, ao invés de serem apenas carregados e depois jogados fora da escola, embrulhados (literalmente) por um certificado que não tem nenhum valor e com seus destinos traçados para virarem mão de obra barata e estatística favorável para esconder um sistema de ensino falido.

Evidentemente eu não me zanguei com o aluno e sua aparente rebeldia e falta de polidez, e nem poderia. Se ele soubesse porque tem notas tão ruins, e fosse capaz de aprender a aprender sozinho, ele certamente não precisaria de mim para ajudá-lo. Se seus amigos também se tornassem capazes de sonhar com dias melhores, traçar objetivos para o futuro e fazer análises sobre as causas que os desmotivam, então além de não precisarem de mim para ajudá-los a aprenderem a construirem um futuro melhor para todos, também nos livraríamos, enfim, de políticos estúpidos que acreditam que para construir estradas precisam demolir escolas.

Enfim, a escola liberta, mas os passáros nascidos e criados em gaiolas temem mais o céu do que as grades que lhes acolhem. Por mais absurdo que pareça, cabe a nós, professores, empurrá-los na marra para fora dessa prisão.

Um comentário:

  1. Olá, professor, tenho acompanhado seus textos através do blog Professor Digital e já li alguns de seus textos para meus colegas. Este texto realmente é inspirador e nos leva a uma reflexão profunda sobre os rumos da escola. Concordo com suas ideias e devo levá-lo aos professores e, se possível, aos alunos para refletirmos sobre o tema.

    Muito obrigada por suas palavras sempre tão reflexivas.

    Luciane H oliveira - luciane239@gmail.com

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