sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Há males que vem para o bem, e outros que vem para piorar

Com a pandemia de pânico midiático sobre a gripe influenza A H1N1, a Secretaria da Educação de São Paulo adiou o reinício das aulas para 17/08, dispensando alguns milhares de professores e mais de uma dezena de milhões de alunos, atrasando o reinício das aulas por duas semanas apesar de o próprio Ministério da Saúde ter declarado que essa medida era inócua e desnecessária.

Durante essas duas semanas os alunos continuaram indo às baladas, se reunindo em turminhas nos fins de semana, indo a shows e eventos com imensos aglomerados de pessoas e participando das torcidas de seus times que enchem os estádios de futebol. Além disso, ficaram mais duas semanas afastados das aulas e dos professores que poderiam ter lhes passado informações úteis e importantes sobre como se prevenirem do contagio com essa nova gripe.

Já os professores, que poderiam ter ido trabalhar, mesmos sem alunos, e participar de cursos de formação, se dedicarem a um panejamento escolar de verdade e não a essa farsa que é feita em um ou dois dias por ano, onde nada se planeja de fato, estes tiveram que ficar em suas casas assistindo televisão. Evidentemente alguns professores se dedicaram a preparar suas aulas para o segundo semestre e adaptar o conteúdo de suas disciplinas a um número menor de dias letivos, conforme sugeriu um parecer do Conselho Estadual de Educação de São Paulo que afirma não ser necessário repor os dias perdidos desde que se mantenha o conteúdo programático do ano letivo.

Agora, passada a fase de tolice midiática e pânico generalizado dos desinformados mandatários da política educacional paulista, retornamos nessa semana às aulas e... pasmem, estamos todos vivos! É incrível como ninguém morreu indo a tantos shows, baladas, festas, campos de futebol, etc., e mesmo sem poder contar com nenhuma informação extra que a escola deveria fornecer e não o fez porque estava fechada.

Que certos males vem para o bem é verdade, todos sabemos. As escolas reabriram com sabão e toalha de papel nos banheiros. Incrível! Aqueles banheiros nojentos e imundos, onde nem as torneiras funcionam direito, estavam agora limpos e tinham até sabão para os alunos lavarem as mãos e papel para enxugarem-nas; coisa que há décadas eu não via em banheiros de muitas escolas públicas, que costumam ser piores do que banheiros de rodoviária. Que maravilha! 1 X 0 para a gripe!

Sobre as mesas dos professores, agora encontamos um inútil frasco de "álcool gel" para os alunos higienizarem suas mãos vez por outra. De fato ele é inútil e o "álcool gel", bem como a verba que as escolas receberam para comprá-lo, não deve durar mais do que essa primeira semana, mas mesmo assim o frasco, quem sabe, poderá servir para ser transformado em um vasinho de flores um dia desses. Aliás, o "gel" já se acabou e já se está usando álcool líquido em muitos lugares. Com um pouco de limão e açúcar, chacoalhando bem, talvez possamos espantar a gripe e a recordação do salário miserável que pinga no quinto dia útil.

Mas os males também vem para piorar. Junto com o retorno às aulas, e após o parecer do Conselho Estadual de Educação que dizia não ser necessário repor essas duas semanas de aula perdidas tolamente, bastando garantir o conteúdo do programa de cada disciplina, ao que tudo indica a Secretaria de Educação resolveu que as escolas devem "repor" essas aulas que foram obrigadas a não darem pela própria Secretaria. E querem fazer isso aos sábados!

Na verdade o discurso oficial diz que cada escola tem autonomia para fazer essa reposição como quiser e a legislação garante, de fato, essa autonomia. Mas os gestores das escolas estaduais agem, em grande parte, apenas como "paus mandados" pelas suas Diretorias de Ensino que, por sua vez, são meras extensões burocráticas da Secretaria da Educação e tem uma autonomia que vai tão longe quando a estabilidade de seus cargos de confiança. Resumindo, a Secretaria manda, a Diretoria de Ensino passa o recado adiante, como bom garoto de recados, e a direção das escolas obedece passivamente, de joelhos, porque se sente mesmo como "pobres diretores coitadinhos" que não sabem o que é ter autonomia e estão acostumados a serem mandados e não a agirem como gestores, como seus cargos pressupõem que deveriam agir.

Agora pensemos um pouco... Se não temos muitos alunos nem nas sextas-feiras, aos sábados teremos menos ainda. Temos muitos alunos que trabalham aos sábados e eles não terão o direito a essa reposição de aulas sendo, obviamente, prejudicados. Mas quem liga para os alunos?

Não bastasse isso, não temos nem mesmo funcionários da limpeza aos sábados. Porque deveríamos então ter professores e alunos? Mas quem se importa com a sujeira e com os alunos?

Professores são tratados pelo governo como peões desqualificados que ganham, literalmente, pela força física de seu trabalho braçal esfregando giz na lousa. Assim como o cortador de cana recebe por eito de cana cortada, assim como o apanhador de laranjas recebe por caixa de laranjas colhida, ou o apanhador de algodão recebe por arroba de algodão que apanha, também o professor recebe "por aula dada" (o que é quase que receber por metro de giz esfregado na lousa). Para pagar seus peões do giz e apagador o Estado lhes compra "algumas aulas" e estas são atribuidas no início do ano letivo em determinados dias e horários da semana. Se um professor perde uma aula, ele não a recebe e nem pode repô-la em outro dia, como o catador de papelão que não pegou a caixa que estava no lixo e deixa de receber porque ganha por "produção"; assim também ganha o professor.

Graças a esse sistema mediaval de trabalho, onde não existe "dedicação integral" e a cada novo governo mudam-se as regras de contratação e manutenção dos contratados, o professor "pega suas aulas" no início do ano e usa o seu tempo restante para trabalhar em algo economicamente mais digno, de forma que possa sustentar sua família e doar ao seu país e aos seus alunos aquelas horas mal remuneradas que o governo lhe paga para "dar aula". Por essa razão, muitos professores trabalham cinquenta, sessenta e até noventa horas semanais, incluindo aí as "aulas dadas" que o governo compra e os demais empregos "de verdade" que ele tem.

Quando o governo decide que o professor deve agora vir trabalhar aos sábados ele está pedindo que o professor falte do seu outro trabalho, aquele onde de fato ele ganha algum dinheiro, para vir trabalhar de graça para o Estado. Se o governo fosse amigo dos professores pode até ser que esses viessem trabalhar de boa vontade, como uma espécie de favor que se faz a um amigo, mas não é esse o caso.

Mesmo professores que não trabalham aos sábados têm outros compromissos. assim como os alunos. Muitos estudam aos sábados, apesar do governo insistentemente lhes chamar de despreparados e vagabundos. Esses professores e alunos faltarão dos cursos que fazem para vir doar seu tempo para um governo que eles nem conhecem direito e que só vêem em fotografias e na TV, na época das eleições? Será que esses gestores que "engolem" qualquer coisa que lhe enfiem goela abaixo nas Diretorias de Ensino têm um mínimo de sensibilidade para perceberem que existem pessoas nas escolas e que essas pessoas são justamente os seus professores e alunos, e que estes têm vida e atividade aos sábados? Ou será que eles se importam mais com seus "chefes" do que com a comunidade escolar?

E o professor que já tem sua carga completa e nem pode "pegar mais aulas"? Ele será obrigado a "dar mais aulas" semanalmente do que a própria legislação permite? Alguém se importa com isso? O gestor se importa com isso?

E os professores que têm família? Sim, professores, assim como os escravos de outrora, também têm família! Esses não têm direito a descanso semanal para ficar com os seus? Será que o professor preferirá deixar seus filhos largados em casa ou pelas ruas para consertar a trapalhada feita pela Secretaria da Educação ao dispensar os alunos e os professores das aulas, contra as recomendações do próprio Ministério da Saúde? Alguém se importa com as famílias dos professores ou mesmo com sua saúde? Os gestores se importam? Ou só sabem obedecer?

E porque temos mesmo que cumprir falsamente esses duzentos dias letivos se sabemos que muitos professores e alunos faltarão porque trabalham ou porque estudam nesses dias, e outros simplesmente gostam mais de sua família do que do governo? Só para dizer que houve duzentos dias letivos? E quando houve duzentos dias letivos de verdade?

Dia letivo deveria ser dia de aula, não é mesmo? E aula pressupõe a presença de professores e alunos. Porque contamos esses dias inúteis, em que as pessoas ficam assistindo TV na sala dos professores por falta de alunos e de uma política inteligente de gestão do tempo, como se fossem dias letivos? Porque até churrascos são contados como dias letivos? Ou vai me dizer que você nunca ouviu falar de professor que foi repor aula em "dia de churrasco", "feijoada" ou "festinha na escola"?

E se precisamos mesmo de tantos dias letivos, porque mesmo com um atraso de duas semanas no reinício das aulas os materiais dos alunos que estão sendo comprados a um custo de milhões de reais do contribuinte ainda nem chegaram à todas as escolas para as aulas do segundo semestre? Porque o material dos alunos do segundo bimestre só chegou nas férias, quando já estava inutilizado? Será que isso contribui para que tenhamos duzentos dias letivos? Ou será que dia letivo não é mesmo dia para se ter aula, mas tão somente para "preencher calendário" e enganar a lei?

Sabão e toalha de papel nos banheiros, e um mínimo de vergonha para disponibilizar verbas para mantê-los nas próximas semanas, quando a mídia deixar de fazer circo com a nova gripe, são coisas boas que vieram com essa pandemia de pânico irracional e talvez durem algumas semanas (dependendo da vergonha dos governantes da hora), mas a decisão de conturbar a vida de milhões de pessoas para sustentar falsamente um calendário fajuto de reposição em que não haverão aulas verdadeiras, isso é tão ruim quanto a água suja que já começam a colocar nos frasquinhos sobre a mesa do professores e querem fazer passar por "álcool "gel". Tenho cá comigo a impressão de que essa é outras daquelas decisões que nunca deveriam ter sido tomadas e que só o são porque encontram pela frente uma multidão de cabeças de gado que caminha para o lado que o chicote manda.

Haverá alguma pandemia capaz de inserir alguma inteligência nessas decisões governamentais e locais? Haverá algum vírus capaz de infectar os cérebros dos gestores das escolas e lhes fazer ver que são mais do que apenas bonequinhos de marionetes feitos para se acovardarem e se eximirem de suas responsabilidades e passarem a agir com dignidade e respeito diante da comunidade para a qual trabalham e da qual recebem seus salário mediante impostos recolhidos dela?

Eu temo que já saiba a resposta para essas perguntas... Mas não custa nada fazê-las para que fique claro que nem todos nessa escola de falsidades e mentiras compactuam com a covardia e a mediocridade. Que venha a próxima gripe!

5 comentários:

  1. Oi professor
    Aqui no estado do Rio, idem... E, em minha escola, o gel nem chegou ao turno da noite!
    Vou repassar seu protesto aos colegas, bem como o link para o seu blog.

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  2. Parabéns, Professor!

    Suas palavras expressam a opinião de muitos de nós. Porém, como infelizmente nossa classe é desunida, há aqueles que se acovardam e seguem como "uma multidão de cabeças de gado que caminha para o lado que o chicote manda", mas que tenho certeza pensam assim, mas agem "assado".

    Professora Terezinha Fatima - RJ -

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  3. È fato o posicionamento sem ética da Secretária de Educação para com os professores.
    Lembrando que, além dos maus tratos, com respeito à remuneração, ainda o "roubo" do tempo ilícito dado por falta de planejamento da própria Secretária. Pois, deveriam perceber que a integralidade educacional discente é falsa, é um nojo principalmente nos cobrarem a reposição de aulas nos sábados.

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  4. José Carlos Antônio
    Pois é, os mesmos problemas, as mesmas falta de respeito pela educação e seus intervenientes. A partir de uma pandemia (inventada para favorecer laboratórios), ficamos a mercê de nossos governantes. Também sou professor, embora brasileiro, sou professor de Biologia e Ciências Naturais em Portugal, onde já vivo há dezoito anos. Em terras lusitanas o ano lectivo só começará em meados de Setembro, embora os professores iniciem a sua actividade já no início do mês. Pelo que sei, acho que deveremos ter um aumento brutal de casos, apesar do que já está a ser feito e o que deverá se concretizar, com início ds actividades escolares.
    Quanto a esse aspecto, penso que Portugal esteja a se precaver, tomando como referência o que se vem sucedendo nos países como o Brasil.

    Abraços e felicidades!

    Leonardo Alves
    http://www.youtube.com/pelotense5

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  5. Meu caro Prof. JC

    Aqui no Rio de Janeiro, sofremos com o mesmo problema. Falta de visão das autoridades educacionais, dos políticos, dos diretores e dos próprios professores que são muito desunidos, na sua grande maioria.

    Infelizmente, isso está sendo um mal do nosso país. O negócio é não parar de lutar. Meus parabéns pelo texto!

    Abraços,

    Prof. Adinalzir Pereira
    http://saibahistoria.blogspot.com/

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