terça-feira, 20 de julho de 2010

Medíocres, mas bem colocados

O MEC divulgou nessa útima segunda-feira, 19/07, a lista das notas médias do ENEM por escola de todo o país. A mídia já correu buscar os nomes das melhores e piores escolas e analistas diversos vão dando suas opiniões. Então eu também vou dar a minha, mas não apenas sobre o ranking em geral, e sim sobre a posição da nossa escola nesse ranking e do próprio ranking em relação às expectativas que temos e que deveríamos ter sobre a educação que oferecemos nas nossas escolas.

O título desse artigo esclarece bem minha opinião: somos medíocres, mas bem colocados. E por mais absurdo que pareça, é verdade.

O gráfico abaixo mostra a situação da nossa escola (Neuza) comparativamente às demais escolas estaduais:


Como se pode ver por esse gráfico, nossa escola teve nota 5,6 em uma escala de 0 a 10, mas a melhor escola estadual do Brasil teve nota de apenas 7,2; a melhor do estado teve 6,8 e a melhor da nossa cidade teve 5,8.

Também podemos fazer outras comparações com as demais escolas estaduais:
  • estamos entre os 8,3% melhores classificados no país;
  • entre os 9,8% melhores classificados do estado e;
  • somos a 4ª melhor colocada da cidade.
Nossa diferença percentual para a melhor colocada do país é de apenas 16,1%, em relação à melhor colocada do estado a diferença cai para 11,8% e em relação à melhor colocada da cidade a diferença é de apenas 2,2%.

Olhando com esses olhos poderíamos dizer que estamos realmente bem colocados, mas sejamos sinceros, somo apenas medíocres! E não estou falando apenas de nossa escola, é claro, mas sim de todas as escolas públicas e privadas do país.

Vale também lembrar que as escolas particulares, embora em média estejam melhor classificadas do que as escolas estaduais, ainda assim têm um desempenho também bastante medíocre. A melhor escola particular do país tem um desempenho apenas 2,7% superior à melhor escola estadual e, na outra ponta, a pior escola particular do país tem um desempenho apenas 20% superior ao da pior escola estadual (que, à propósito, é uma escola indígena do Amazonas e tem uma nota altamente discrepante da penúltima classificada - em relação à penúltima classificada a diferença percentual cai para 8% apenas).

Resumindo, temos uma escola ruim em todos os níveis, em todos os estados e indiferentemente da escola ser pública ou privada.

Ser medíocre e estar bem colocado não deveria nos dar nenhuma alegria. Alegres seríamos se tívémos uma nota, pelo menos, superior a 8,0. Então poderíamos, com alegria e méritos, comemorar algo. E não seria uma comemoração por estarmos aqui ou alí em um ranking comparativo, mas sim uma comemoração por estarmos situados em um patamar onde se poderia dizer que nossa escola, de fato, ensina alguma coisa.

domingo, 18 de julho de 2010

Analisando o primeiro semestre de 2010

Início do recesso e hora de limpar gavetas, arrumar a bagunça e replanejar o segundo semestre. Hora também de analisar o primeiro semestre com olhos para o replanejamento das ações para o restante do ano.

Esse ano foi, até agora, bem complicado. Iniciamos o ano mais tarde porque a SEE-SP não tem demonstrado muita competência em cumprir seus compromissos. Enfrentamos uma greve muito mal esclarecida movida por um sindicato que já não nos representa como categoria há um bom tempo. Tivemos festas locais e Copa do Mundo. Enfim, parece que foi outro semestre "normal".

Estamos sem nossa Sala de Informática desde o final do ano passado por absoluta incompetência da FDE e descaso generalizado da nossa DE local (Americana) e da SEE-SP. Uma reforma de uma semana já está durando mais de 30 semanas! Depois ainda tem gente que tem a cara de pau de falar em meritocracia, competência e compromisso com a educação.

Com relação ao rendimento dos alunos ao longo dos dois primeiros bimestres, verifiquei que houve melhoras e isso indica que as medidas tomadas entre o primeiro e o segundo bimestre surtiram alguns efeitos positivos. Evidentemente ainda estamos muito longe da situação que poderíamos considerar "aceitável", mas continuamos na luta. Os gráficos abaixo mostram as principais estatísticas das classes comparadas nos dois primeiros bimestres de 2010 (clique nas imagens para vê-las ampliadas).


Uma análise mais detalhada pode ser obtida na Biblioteca Digital do meu site, bem como as ações implementadas entre o primeiro e o segundo bimestres e as que implementarei no segundo semestre. Infelizmente não sei se poderei contar com a Sala de Informática no segundo semestre (ou algum dia qualquer), mas temos que nos replanejar e tomar decisões nesse contexto de incertezas todo ano, então isso não é novidade.

Uma novidade mesmo tem sido o "interesse forçado" da DE em acompanhar as ações da escola em vista dos resultados do Idesp. Ainda que as ações sejam muito mais burocráticas e tomadas no sentido de se criar uma espécie de "blindagem da DE" (que nunca gostou de se envolver com a escola diretamente - acho que são alérgicos à escolas) começamos a ver que já nasce, ainda insipiente e forçado, um movimento de aproximação com a realidade das escolas. Muito bom! Nada como uma aguinha batendo nas parts baixas, não?

À propósito de novidades, se você for meu aluno experimente assinar o boletim de notícias "Cantinho News" (disponível na página de entrada do site) e passe a receber semanalmente dicas legais e comentários sobre as questões do ENEM.Nesta semana: dicas de sites para teens e uma questão sobre energia, rendimento e resistência elétrica.

domingo, 4 de julho de 2010

O aluno-bomba EXPLODIU!

Todo ano (ou quase) tem algum imbecil para estourar bombas na escola no mês de junho. O banheiro é sempre o local preferido. Talvez pela acústica favorável, talvez pelo acesso fácil ou talvez porque é lá, na privada, que devem estar as idéias desses alunos-bomba. Esse ano não foi diferente... ou melhor, foi sim!

Eu estava começando minha aula no terceiro colegial noturno, em plena quinta-feira, quando fomos todos sacudidos por um enorme estrondo. Seguiu-se, após o susto, a algazarra costumeira. Na verdade nem dei bola, pois a bomba estourou em algum lugar distante da minha sala e historicamente quando se ouve o barulho é porque o engraçadinho-bomba já deve estar bem longe. Ou, deveria estar bem longe...

Dessa vez o infeliz fez uma aposta perigosa demais para o contexto em que minha escola se encontra: ele acreditou que poderia fazer isso diante de vários outros alunos e que todos o acobertariam. Ledo engano! Pouco à pouco estamos conseguindo criar um "sentimento de pertencimento" entre nossos alunos e, apesar de todos os clamores da adolescência, alguns já se sentem donos da escola, exatamente como gostaríamos que todos se sentissem.

Assim, diante de um ato estúpido e perigoso, alguns alunos fizeram a coisa mais inteligente a fazer: apontaram o idiota para a direção e depois de um teatrinho infantil de rotina, com direito à presença dos pais para atestarem o quão bonzinho era o pequenino, eis que ele acabou admitindo o ato. Agora temos um imbecil a menos na escola e já podemos ir ao banheiro mais seguros.

É... As coisas mudam devagar, mas mudam sempre.

sábado, 12 de junho de 2010

Festa do Peão, Copa do Mundo e Escola

A 25ª Festa do Peão de Boiadeiro de Americana se encerra agora em 13/06. A Copa do Mundo começou em 10/06. Motivos para cabular aulas para quem já cabula aulas mesmo sem motivo, agora não faltarão. :)

É claro que faltar às aulas por uma boa razão é compreensível e o sistema educacional público é bem tolerante com relação às falatas. Um aluno tem o direito de faltar dois meses inteiros da escola sem que isso comprometa sua aprovação com relação à frequência. Mas é claro que faltar dois meses da escola compromete imensamente a aprendizagem.

Agora que estamos no meio do segundo bimestre já vemos que alguns alunos já quase faltaram os dois meses inteiros que podem faltar ao  longo do ano e, nesses casos, já sabemos que teremos muitos problemas pela frente.

Os casos mais interessantes são daqueles alunos que vêem à escola e então combinam, ainda no portão, ou já dentro da escola, para irem embora ao invés de assistir às aulas. A tese defendida por eles é sempre a mesma: "Não dá nada não, e se der é pouca coisa".

Desde o dia 02/06, quando começou a festa do Peão de Boiadeiro de Americana, já tivemos pelo menos três dias em que muitas classes estiveram completamente vazias no período da noite. Não, não foi por falta de professores, que ficaram na escola cumprindo os seus horários até às 23:00, mas porque os alunos decidiram por conta própria que não assistiriam aulas nesses dias. Também não foram à festa. Simplesmente voltaram para casa ou ficaram pelas ruas batendo papo.

É evidente que há algo muito errado nisso tudo. Porque eles dão tão pouca importância à sua própria formação que, mesmo que ocorresse com a frequência plena deles, ainda assim seria bastante precária?

Na última reunião de HTPC recebemos um "questionário" vindo da DE onde deveríamos propor, entre outras coisas, três medidas de curto prazo (para esse ano ainda), três de médio prazo (para o ano que vem) e mais três de longo prazo (para os próximos anos), visando melhorar o "fluxo" de alunos nas séries do Ensino Médio. É mais ou menos como se a DE nos pedisse para encontrar soluções para problemas que só vem se agravando nas últimas duas décadas, apesar de todo o discurso do governo sobre a boa qualidade da educação paulista e, apesar de tantos "especialistas da SEE" não terem conseguido chegar a nenhuma proposta de solução viável para o problema. Parece que agora esperam que a escola resolva os problemas que eles criaram no conforto de suas poltronas enquanto nós, professores, comíamos pó de giz, e o pão que o Serra amassou, nas salas de aula entupidas de alunos semi-analfabetos e gritávamos aos quatro ventos que a escola estava sendo abandonado e sucateada em todos os sentidos.

Mas como melhorar o fluxo dos alunos nas séries do Ensino Médio se eles não dão a menor importância para a escola e se o próprio sistema já criou e solidificou uma cultura em que a escola não tem mesmo nenhuma importância? Como convencer esse aluno a vir à escola e estudar se ele já sabe que vindo ou não vindo, estudando ou não estudando, o sistema vai querer empurrá-lo para fora, da mesma forma, para "melhorar o fluxo"? Porque esse aluno deveria se importar com a educação oferecida a ele por uma escola que não liga a mínima para ele e tenta agora, desesperadamente, criar soluções mágicas e indecentes para falsear ainda mais as estatísticas sobre a aprendizagem e a qualidade do ensino?

Bom, depois da Copa do Mundo vêm as férias (que os alunos decretarão no final de junho, apesar de oficialmente só começarem no meio de julho) e os alunos só aparecerão mesmo na escola em agosto. Daí teremos mais alguns feriados, eleições e sabe-se lá o que mais. Quem sabe em 2011 haverá alguma escola...

domingo, 30 de maio de 2010

O Idesp, o bônus e o ônus de um índice muito suspeito

Muito se tem falado sobre o programa de Qualidade da Escola implantado pelo governo paulista. O próprio governo alardeia aos quatro ventos que com esse programa pretende atingir metas internacionais de qualidade na educação e que, graças a esse programa, professores, gestores e funcionários das escolas têm sido beneficiados com generosos bônus pagos anualmente.

É fato que a intenção pode ter sido mesmo a de melhorar a qualidade da educação paulista, mas também é fato que não se melhora a qualidade da educação simplesmente distribuindo dinheiro e o próprio governo usa esse argumento quando se nega a aumentar salários. Em tese o bônus pago pelo governo de São Paulo estaria atrelado aos esforços da escola para melhorar seus índices de ensino mas, apenas em tese, como veremos a seguir. Aquilo que o governo paulista tem chamado tão ironicamente de "bônus por mérito", na verdade pode não possuir mérito algum.

A qualidade educacional de uma escola passou a ser avaliada conforme um índice denominado Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo). Esse índice mede um misto entre o resultado que a escola obteve no exame do SARESP nas séries terminais de cada ciclo e o "indicador de fluxo escolar" apresentado por cada ciclo no período avaliado. Traduzindo isso para um português mais "palatável", esse índice fornece um número que é tomado como indicador de qualidade do ensino na escola levando-se em conta o resultado do SARESP e a quantidade de alunos que são aprovados durante o ano. Assim, por exemplo, se o indicador de fluxo for de 80% isso quer dizer que o índice de qualidade educacional apurado para a escola corresponde a 80% da nota média obtida no SARESP.

É com base nesse índice que o governo do Estado de São Paulo atualmente paga o bônus para os professores e funcionários da escola. A partir do Idesp e das metas estabelecidas para a escola para um dado ano, calcula-se o IC (Índice de Cumprimento de Metas) e o IQ (Indicador de Qualidade). O IC é uma medida do quanto a escola atingiu de sua meta para aquele ano e o IQ é um indicador do quanto a escola está acima do desempenho das demais escolas da rede estadual em relação ao cumprimento da meta global que se espera atingir em 2030. Todo o processo é descrito no documento intitulado "Programa de Qualidade na Escola - Nota Técnica", disponível no site do Idesp.

Se o Idesp for igual ou superior à meta estabelecida para aquele ano, então os professores e funcionário têm um IC+IQ positivo e recebem o bônus integralmente; se o Idesp for superior ao do ano anterior e menor do que a meta estabelecida para aquele ano, então o IC+IQ também é positivo e recebe-se o bônus proporcionalmente a parcela da meta cumprida e, finalmente; se o Idesp for igual ou inferior ao do ano anterior, então o IC+IQ é negativo e ninguém recebe nada na escola. Esse índice é calculado para cada ciclo e o bônus é o resultado final considerando-se os ciclos em que o professor leciona ou o resultado global da escola, no caso de funcionários. Mesmo que um professor lecione em várias escolas o seu bônus é calculado com base na escola onde ele é sediado (sua sede oficial). Além disso, o bônus também depende da frequência do professor (ou funcionário) ao trabalho e não leva em conta se o professor ou funcionário faltou com ou sem justificativa (é proibido ficar doente, por exemplo).

Independentemente das razões teóricas pelas quais o Idesp é calculado dessa forma, do ponto de vista prático, e é isso que as escolas "vêem", ele é apenas um "índice que paga ou não paga bônus" e que pode ser manipulado de duas formas: fazendo-se com que os alunos tenham melhores resultados no SARESP e evitando-se que os alunos reprovem ou abandonem a escola.

Melhorar os resultados do SARESP pode ser visto, teoricamente, como melhorar a qualidade da aprendizagem, de maneira que os alunos aprendam mais e obtenham melhores resultados nessa prova. Porém, dado que isso demanda muito mais do que apenas "vontade", as escolas também podem optar, e algumas parece que já o fizeram, por:
  1. permitir que apenas os bons alunos façam a prova do SARESP, já que os alunos não são obrigados a fazerem a prova e os resultados são avaliados igualmente para escolas onde todos os alunos fizeram a prova ou para aquelas onde os "piores alunos" foram "convidados" a faltarem no dia da prova, melhorando assim o resultado da escola de forma artificial;
  2. forçar com que os "melhores alunos" compareçam à prova e a façam com rigor, já que muitos alunos simplesmente faltam no dia da prova porque nenhum deles ganhará nada com essa prova, mesmo que tenham resultados excelentes. A propósito, nem os alunos e nem os professores sabem os resultados de cada aluno individualmente ou mesmo de cada classe. Não há nenhuma transparência nesses resultados e as notas obtidas pelos alunos indivivualmente não servem para nada, nem para os alunos e nem para a escola;
  3. trapacear durante a aplicação da prova ou durante sua correção. Apesar de todos os cuidados com a logística de distribuição e aplicação das provas, e embora professores de escolas diferentes façam a aplicação da prova e a correção das questões objetivas seja feita pela instituição que gerencia a prova (CESGRANRIO) com um processo automatizado de leitura óptica de gabaritos, nada impede que em algumas escolas "alguém" dê uma ajudazinha para os alunos na hora da prova. Além disso, as redações são corrigidas na própria escola e isso permite que as notas sejam mais "camaradas", já que ninguém vai mesmo conferir essas correções;
  4. transformar a escola em um "cursinho para o SARESP", com ênfase no ensino de técnicas de resolução de provas objetivas (tipo teste) com quatro alternativas, na resolução de questões de provas anteriores e nas técnicas de redação. Isso demanda mais trabalho da escola e, por isso mesmo, não se espera que muitas escolas o façam;
  5. enfatizar as disciplinas do SARESP em detrimento de outras. O SARESP avalia apenas português e matemática de forma regular, e alterna entre as áreas de exatas e humanas de forma bianual. Algumas escolas podem criar programas específicos de atividades voltadas apenas para português e matemática e, ano sim ano não, para as outras disciplinas que serão avaliadas (ainda que com peso menor).
Já com relação ao "fluxo", as medidas de trapaça para driblar esse índice já estão em vigor bem antes do surgimento do sistema de bônus e dessa metodologia de cálculo do IC e consistem, fundamentalmente, em "empurrar todo mundo, evitando-se a qualquer custo a reprovação e a desistência dos alunos", principalmente quando estão nas séries terminais.

O sistema de Progressão Continuada, que na verdade funciona como um sistema de "aprovação automática", termina na oitava série (ou nona, para o novo ensino fundamental de nove anos). Apenas na quarta (ou quinta) e na oitava (ou nona) série os alunos podem ser reprovados e, portanto, a reprovação é pequena no Ensino Fundamental. Além disso, como não há reprovação, a evasão nesse nível de ensino é baixa e a escola acaba funcionando muitas vezes como "creche" para os alunos, estimulando ainda mais as famílias a manterem seus filhos na escola. Isso faz com que o indicador de fluxo seja alto para o Ensino Fundamental, mas não funciona bem para o Ensino Médio e acarreta, como veremos a seguir, uma alta defasagem entre a série escolar e o nível escolar dos alunos.

Quando os alunos chegam à oitava (ou nona) série e podem, teoricamente, serem reprovados, muitas escolas os "empurram para fora" porque não possuem Ensino Médio e não terão que continuar com esses alunos. O mesmo vale para escolas que têm apenas os ciclos iniciais (até a quarta ou quinta série). Isso permite que muitas escola aprovem todos em massa, independentemente de terem ou não condições de prosseguir no ciclo seguinte ou no Ensino Médio. Com isso transfere-se o problema para as escolas que receberão esses alunos.

Já no Ensino Médio, as reprovações podem ocorrer em qualquer série, mas há décadas vem se criando uma cultura de "progressão continuada extra-oficial" por imposição da própria Secretaria da Educação. Reprovar um aluno tornou-se uma tarefa tão difícil e desgastante para o professor e para a escola que somente os casos onde é "impossível conseguir algum argumento para a aprovação" o aluno fica retido. Mesmo assim o índice de reprovação no Ensino Médio é alto porque, como já discutimos em outras oportunidades, e voltaremos ao tema em breve, a maioria dos alunos do Ensino Médio estão na verdade na sexta-série (ou menos que isso) do Ensino Fundamental em termos de aprendizagem.

Teoricamente, deveria-se esperar uma melhoria do indicador de fluxo por meio de medidas de acompanhamento dos alunos, evitando-se que eles abandonassem a escola por falta de estímulo e promovendo ações de recuperação e de apoio que evitassem a reprovação, suprimendo assim as deficiências de aprendizagem de cada um. Como isso quase nunca é possível, e sempre demanda muito trabalho e esforço de todos na escola e na comunidade, muitas escolas optam por um sistema mais simples que consiste em trapacear:
  1. aprovando-se os alunos sem nenhum critério pedagógico nas séries onde eles poderiam ser reprovados;
  2. evitando-se a desistência dos alunos a todo custo, incluindo-se ai a promessa de aprovação automática, e não computando todas as faltas dos alunos;
  3. criando-se sistemas de "dependência", onde alunos reprovados em várias disciplinas acabam sendo aprovados no ano letivo e remetidos a cursaram novamente algumas disciplinas no ano seguinte, em conjunto com as demais daquela série, na forma de "dependências" (que, via de regra, significa que no ano seguinte ele entregará um "trabalho" de uma ou duas páginas copiadas da internet no final do ano e será "oficialmente aprovado" naquelas disciplinas).
Nenhum dos "métodos de trapaça" descritos acima tem potencial para garantir o recebimento de bônus por anos seguidos, pois todos eles se esgotam após o primeiro uso e, mesmo com um sistema contínuo de trapaça, o IC tende a se normalizar após um ou dois anos. Nesse caso, se a escola parar de trapacear por um ano ela ficará sem bônus e terá um IC muito baixo, mas depois poderá retomar o método de trapaça nos dois anos seguintes. Calibrando-se o método de trapaça talvez seja possível até obter bônus por três ou mais anos consecutivos mas, definitivamente, não se melhorará a qualidade da escola e nem da educação que ela oferece.

Se a escola não trapacear ela terá que melhorar seus índices de qualidade criando medidas efetivas para evitar a evasão e para melhorar o ensino e a aprendizagem dos alunos, como se alardeia na teoria, mas isso também implica em ter que controlar variáveis totalmente fora do controle da própria escola, como:
  1. a qualidade dos alunos que a escola recebe de outras escolas. Se a escola recebe bons alunos, então ela pode continuar tornando-os melhores, ou melhorar seu resultado artificialmente caso ela tenha alunos atualmente piores que os que passa a receber, mas se ela recebe (ou passar a receber) alunos com péssima formação, provenientes de escolas que "os empurraram sem ensinar", então ela dispenderá a maior parte de seu esforço para tentar "recuperá-los" e nunca terá bons índices de desempenho;
  2. a condição sócio-econômica de sua clientela. Escolas que dispõem de alunos de classes sociais muito desfavorecidas não têm como impedí-los de desistirem da escola em troca de qualquer trabalho que eles consigam, principalmente quando eles estão no Ensino Médio. Isso afeta diretamente o indicador de fluxo e diminui o Idesp da escola;
  3. corpo docente descomprometido ou desqualificado lecionando nas disciplinas avaliadas no SARESP. Professores que não têm sede na própria escola e não recebem seu bônus conforme o Idesp daquela escola não têm porque se preocuparem com a melhoria do Idesp da escola. Professores que estão profundamente desistimulados, ou que são simplesmente incompetentes demais para exercerem bem a sua função, não "melhoram" por mágica e nem se importam com índices, ou mesmo com seu próprio bônus.
Assim, por maiores que sejam os esforços individuais de uma escola (honestos ou desonestos), seu Idesp tenderá a se estabilizar em dois anos e após isso as melhorias serão muito lentas e dependerão sempre de variáveis que estão além do campo de atuação da própria escola e dos seus professores.

A título de exemplo, seguem os gráficos comparativos desses indicadores para a minha escola, EE. Profa Neuza Maria Nazatto de Carvalho, onde decididamente não houve nenhuma forma de trapaça em nenhum dos anos em que esses índices foram medidos:





Analizando esses números e as medidas que temos implantado ao longo desses três últimos anos, temos tentado entendê-los para traçar estratégias para superá-los. No entanto, temos as seguintes dificuldades:
  1. tanto o nosso Ensino Fundamental quanto nosso Ensino Médio recebem alunos de outras escolas e nós não podemos escolher quais queremos aceitar ou não (como fazem as universidades públicas com seus exames vestibulares);
  2. a qualidade dos alunos, em termos de aprendizagem, que recebemos dessas escolas têm diminuído ao invés de aumentar, e isso ocorre mesmo quando aumenta o Idesp das escolas das quais recebemos alunos (!?);
  3. não temos meios de impedir que os alunos do Ensino Médio desistam da escola para trabalhar e, além disso, o perfil sócio-econômico de nossa comunidade indica que ela é uma comunidade de operários que valorizam mais o trabalho (qualquer trabalho) do que a escola;
  4. não temos nenhuma política de "empurrar alunos a qualquer custo", mas temos uma dificuldade muito grande em mantê-los no Ensino Médio quando eles não tem condições mínimas de aprendizagem e, por isso, muitos acabam desistindo ou abandonando a escola ou sendo reprovados por excesso de faltas e absoluta falta de notas;
  5. no primeiro ano do Ensino Médio recebemos alunos que vêm muitas vezes de escolas onde nunca fizeram uma tarefa de casa, nunca fizeram uma prova escrita, são analfabetos funcionais e não dominam as operções aritméticas básicas. Isso faz com que passemos os três anos do Ensino Médio nos preocupando em recuperar toda a aprendizagem que não tiveram, mas os exames do SARESP não levam isso em conta;
  6. temos muitos professores temporários lecionando na escola cuja sede é em outra escola, e nem todos, temporários ou não, têm uma preocupação real em melhorar a qualidade de suas aulas diante dos esforços que precisariam empreender. Nos casos em que os alunos são "muito ruins", muitos professores desejam mais que eles abandonem a escola do que ajudá-los a superarem suas diversas dificuldades.
Tudo isso nos leva a não ter nenhuma expectativa de melhora desses índices enquanto não passarmos a receber alunos mais bem preparados e enquanto outras políticas públicas não cooperarem para a melhoria do perfil sócio-econômico da nossa comunidade. As tentativas isoladas que empreendemos na escola nos últimos anos já promoveram muitas mudanças positivas sob vários aspectos, porém de pouco impacto na aprendizagem dos alunos medida pelo SARESP (aprendizagem de conteúdos curriculares apenas).

Por fim, a avaliação do SARESP não se baseia na realidade do ensino na nossa escola (e nem na realidade da maioria das escolas) e pressupõe, erroneamente, que trabalhamos com alunos sem defasem de aprendizagem idade-série ou cujo único aprendizado na escola seja de cunho "curricular". Se, por uma lado, isso mede a situação efetiva de aprendizagem dos alunos segundo padrões curriculares internacionais, por outro, isso é um fator limitante do nosso Idesp, já que nossos alunos não estão sujeito à mesma realidade que os alunos hipotéticos que o exame avalia e nem podem prescindir de elementos não-curriculares que fazem parte de sua formação geral.

Isso posto, fica a pergunta: de quem é, afinal, o mérito que o bônus diz recompensar?

domingo, 23 de maio de 2010

Físicossauros em extinção

Notícia publicada no Estadão On-line, em 22/05/2010, informa que foram aprovados no útltimo concurso apenas 22,8% dos professores que prestaram o concurso para PEBII (Professor de Educação Básica II - que atuam nos ciclos finais do ensino fundamental e no Ensino Médio). Em outros termos, isso significa dizer que 77,2% dos professores paulistas foram péssimamente formados pela universidade, não sendo capazes de atingir a nota mínima 5,0 para serem aprovados e, ainda, que os professores que já estão atuando, e também não foram aprovados, não receberam do estado formação continuada minimamente suficiente para atuarem como professores.

Mais estarrecedora ainda é a notícia de que mais de 92% dos professores de Física foram reprovados! E eles continuarão em sala de aula, lecionando normalmente, porque simplesmente não existem mais bons professores de física disponíveis para o ensino público. Os que restam são fisicossauros em extinção. Porque será?

Ok, eu sou um professor de física que foi aprovado entre os 304 que conseguiram atingir a nota mínima, sou um fisicossauro em extinção, e minha nota não foi nada mínima, mas isso não interessa. Interessa saber que já sou efetivo do cargo e que, portanto, pode-se contar até aqui que apenas 303 foram realmente aprovados. Mas quantos desses, assim como eu, já não são efetivos e só prestaram o concurso "porque gostam de testar seus conhecimentos"? Quantos desses aprovados irão realmente assumir seu cargo em troca do salário (*@#&!%*) que o governo nos paga? Quantos novos professores de física realmente serão contratados?

No concurso anterior, em que fui o segundo colocado na listagem final, os números foram muito semelhantes. Desconfio que no próximo os números serão também bem próximos. Porque isso ocorre? Porque temos professores de física tão ruins assim?

Vamos um pouco mais adiante com as indagações: porque os professores de física, como eu, que são concursados e estão lecionando (e, portanto, são parte dessa minoria que compõe a elite dos menos que 8% aprovados) são também considerados ruins pelos resultados que obtém em sala de aula? Eu, por exemplo, não consigo ensinar nem 30% do que julgo ser o necessário que meus alunos aprendam! Porque meu ensino é tão ruim se sempre fui um dos primeiros colocados nesses concursos para efetivação de professores?

Vejo claramente duas linhas de reflexão sobre esse tema:
  1. Os professores que têm sido formados pelas universidades para lecionar física são pessimamente formados. Saem da universidade tão ruins que não conseguem dominar sequer os conteúdos minimos que terão que ensinar aos seus alunos. Não são físicos e nem professores, mas recebem diplomas da universidade atestando que são ambos! Que universidade é essa que não é capaz de formar professores de física, mas atesta que os forma?
  2. Mesmo os professores concursados e que, supostamente, tiveram um boa formação que lhes permitiu passar no concurso (o que é uma grande besteira, porque esse concurso tem um nível inferior ao do vestibular para ingresso na própria universidade), mesmo esses professores não têm como lidar corretamente com a aprendizagem de alunos que já nem conseguem aprender mais nada, muito menos física. O que fazer com esses alunos e professores além de criticá-los gratuitamente?
Professores ruins não conseguem ensinar bem. Professores bons também não estão conseguindo. Então o que se pode fazer? Se, por um lado eu poderia "contar vantagem" por estar entre o supra-sumo da elite dos professores de física, por outro, eu sei que o meu aluno aprende muito pouco e tenho consciência de que estou fazendo o meu melhor. Como fico diante dessa situação, sabendo que meu ensino não é significativamente melhor, pelos resultados que apresenta, do que o ensino de qualquer outro professor de física?

Até quando as cabeças pensantes desse país, se ainda existem, continuarão fazendo de conta que o problema da educação está apenas no professor e no aluno que estão dentro das salas de aula? Até quando as universidades continuarão impunemente despejando no mercado professores que não têm condição nem mesmo de aprender aquilo que deveriam ensinar? Até quando vão tolerar governos incompetentes que desprezam a educação e os próprios professores? Até quando os "formadores de opinião" continuarão se omitindo e se acovardando em troca de contratos, empregos e facilidades que obtém das tetas cheias da viúva?

E, enquanto nada disso acontece, lá vou eu para a sala de aula, ensinar física para alunos que, em grande número, não sabem ler, escrever, efetuar operações aritméticas básicas e, principalmente, não sabem a diferença entre ir para a escola ou ficar batendo batendo papo em uma roda de amigos na hora do intervalo. Alunos que, como muitos de seus professores, não aprenderam a aprender. E, como já diria um certo humorista sem graça, "o salário, ó!".

P.S. oportuno: após corrigir as primeiras provas do segundo bimestre, noto uma melhora, ainda tímida, mas efetiva, nos resultados da aprendizagem dos meus alunos. Tenho agora, aproximadamente, 25% dos meus alunos aprendendo um pouco (muito pouco ainda) de física. Para mim ainda é um resultado muito decepcionante, mas comparado à minha própria classe de "professores de física", esses meus alunos representam um percentual 300% maior de gente "aprendendo física". Tenho esperanças de conseguir elevar esse percentual para 30% ainda nesse bimestre e, talvez, conseguir atingir os 40% até o final do ano letivo. São números ridículos, eu sei, mas que representam uma verdadeira façanha diante da realidade onde a escola pública se insere.

domingo, 16 de maio de 2010

Excesso de expectativas

Se você é um professor que acredita que seus alunos devem aprender os conteúdos da sua discplina e desenvolver habilidades e competências, mas não vê isso acontecendo, então provavelmente o problema seja seu (das suas expectativas) e não dos seus alunos (que representam a realidade). Pelo menos foi isso que eu disse ontem para uma colega que reclamava de ter preparado uma aula espetacular e não ter conseguido sequer dá-la, porque seus alunos não a deixaram.

Por mais que isso soe estranho, me parece bastante verdadeiro. Nós professores ainda somos bastante tolos ao esperar que possamos resolver todos os problemas de aprendizagem sendo apenas excelentes professores. Acreditamos muitas vezes que uma aula bem preparada, diversificada, repleta de recursos, contextualizada, etc. etc., fará nossos alunos quererem aprender. Quanta bobagem!

Nossos alunos já aprendem muito, segundo o que eles mesmos acham, segundo o que seus pais acham e segundo os exemplos que eles obtém na sociedade. Quase todos os famosos (artistas, esportistas, sujeitos da mídia, etc.) são semi-analfabetos, mas fazem sucesso, ganham muito dinheiro e são "formadores de opinião". Professor só aparece na mídia quando apanha de aluno, da polícia ou quando é pego fazendo alguma bobagem.

A cultura de que a escola não tem a menor importância está tão difundida na sociedade que é difícil convencer alguém do contrário. Temos mais pessoas bem qualificadas sem emprego do que pessoas desqualificadas, e mesmo dentre aqueles que "supostamente são cultos", vemos aberrações que nos desanimam. Veja abaixo, por exemplo, nosso ex-governador, José Serra, que é economista, tentando dar uma aula sobre porcentagem para uma classe de alunos (provavelmente) da sexta-série:


Esqueça, por um momento, que ele não sabe fazer a conta que está tentando ensinar aos pequenos e note apenas a didática miserável, a fala mole, monótona e interrompida, quase sempre de costas para a classe, veja o posicionamento desordenado do texto na lousa, o uso nada inteligente de cores e marcadores, note o bagunça e a desatenção que ele consegue da classe (mesmo sendo um fato inusitado e atípico em uma sala de aula, os pequenos não estão ligando a mínima para o que ele fala). Isso sim é um bom exemplo de méritocracia!

(*) Nota explicativa: Serra não é economista nem engenheiro porque não concluiu nenhuma dessas graduações (fonte: O Globo, 18/08/2009, pág. 3). E muito menos é professor, então devemos dar um desconto para a falta de mérito dele.

Depois ainda reclamamos quando os caderninhos que enviam para os alunos têm dois Paraguays, e em lugares errados do mapa, quando escrevem "encinar" ao invés de "ensinar", ou quando enviam livros com palavrões para os pequeninos. Oras, isso parece que se tornou a referência de normalidade  e meritocracia paulista, e as aberrações ainda são professores que, como minha colega, acreditam que podem fazer a diferença apenas sendo bons professores e preparando boas aulas.

A escola (pública) vive uma crise muito profunda e antiga. E ano após ano nossos governos incompetentes conseguem fazer o que todos acreditavam ser o impossível: pioram nossa Educação ainda mais. Desviam o dinheiro da educação (O estado de São Paulo desviou R$ 660.000.000,00 no ano apassado, segundo dados do MEC), investem o dinheiro público em contratos estranhos com empresas que se tornam financiadoras das campanhas políticas desses mesmos políticos (veja a quantidade de dinheiro que foi torrada com esses caderninhos do aluno, que no ano passado todo foram inutilizados por sequer chegarem às escolas em tempo de serem usados), inventam sistemas de avaliação "por mérito" onde o próprio professor não tem nenhuma participação (uma espécie estranha de condenação à revelia) e nada pode fazer para "ter mérito", criam planos de destruição da carreira baseados falsamente em uma meritocracia tão real quanto os resultados estatísticos que manipulam para fazer parecer que o Ensino melhorou em "algum" aspecto. Enfim, a escola pública brasileira, e em especial a paulista, foi jogada na lata do lixo há muito tempo e ninguém dá  mínima para isso.

Aqui, dentro da escola, ainda temos esses professores teimosos que preparam boas aulas, discutem a aprendizagem dos alunos, atuam em múltplicas funções (que vão de babás até conselheiros matrimoniais) e ainda teimam em querer ensinar suas próprias disciplinas. Lá fora, centenas de incompetentes, sem nenhum mérito, embolsam gordos salários em cargos inúteis nas secretarias, alguns recebem comissões diretamente do caixa 2, 3 e sabe-se lá quantos mais, com verbas desviadas e para a finalidade de produzir estatísticas falsas. A maioria posa de político competente para as fotografias e têm a cara de pau de atribuir aos professores a culpa pelo fracasso de um sistema que parece que ninguém quer mesmo que funcione, principalmente esses mesmos políticos.

Minha colega vai continuar preparando boas aulas e continuará se frustrando toda semana. Nossos políticos continuarão canastrões como sempre foram e seus laranjas distribuídos pelas secretarias de governos continuarão desfilando sua arrogância de impunes para nos cobrar os méritos que eles mesmos não possuem. Boa aula, colega!

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa

Confiteor Deo omnipotenti, beatae Mariae semper Virgini, beato Michaeli Archangelo, beato Joanni Baptistae, sanctis Apostolis Petro et Paulo, omnibus Sanctis, et tibi pater: quia peccavi nimis cogitatione verbo, et opere: mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa. Ideo precor beatam Mariam semper Virginem, beatum Michaelem Archangelum, beatum Joannem Baptistam, sanctos Apostolos Petrum et Paulum, omnes Sanctos, et te Pater, orare pro me ad Dominum Deum Nostrum.

Eu pecador me confesso a Deus todo-poderoso,à bem-aventurada sempre Virgem Maria, ao bem-aventurado são Miguel Arcanjo, ao bem-aventurado são João Batista, aos santos apóstolos são Pedro e são Paulo, a todos os Santos e a vós, Padre, porque pequei muitas vezes, por pensamentos, palavras e obras, (bate-se por três vezes no peito) por minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa. Portanto, rogo à bem-aventurada Virgem Maria, ao bem-aventurado são Miguel Arcanjo, ao bem-aventurado são João Batista, aos santos apóstolos são Pedro e são Paulo, a todos os Santos e a vós, Padre, que rogueis a Deus Nosso Senhor por mim.

Dando sequência ao tema iniciado na postagem anterior, o fracasso do ensino que oferecemos aos nossos fracassados alunos, retomo a questão após a análise estatística dos dados que quantificam esse fracasso com os meus alunos e analiso-a agora sob a ótica pós-neubaueriana (em homenagem à Rose Neubauer, nossa ex-Secretária da Educação que um dia disse a célebre frase, ou algo parecido: "se nossos alunos não aprendem é porque alguém está recebendo seus salários sem trabalhar"); frase com a qual concordo plenamente, e rogo para que ela tenha devolvido todos os seus salários aos cofres públicos. Nessa ótica neubaueriana toda culpa é minha, e é máxima a minha culpa.

Vamos então aos fatos:
1 - o desempenho dos meus alunos no primeiro bimestre foi deplorável. Embora as médias das classes sejam fruto de uma avaliação contínua, extensa, inclusiva e flexível, todas as médias ficaram em torno de "5,0";
2 - o pior desempenho nos itens avaliados refere-se às provas, cujas médias situam-se em torno de "2,5". Em nenhuma sala a média de provas ficou muito próxima da média final (que inclui todos os itens de avaliação considerados);
3 - estudando as correlações estatísticas entre os diversos itens de avaliação, em todas as salas verificou-se que não há nenhuma correlação positiva entre as tarefas entregues e as notas de provas. A interpretação mais viável desse fenômeno "anti-pedagógico" é que as tarefas não são realmente feitas, mas tão somente "copiadas" ou "obtidas", sem o envolvimento direto ou o estudo por parte de grande número dos alunos (lembrando sempre que correlações estatísticas são obtidas a partir dos conjuntos de dados, i. e., das classes, e não permitem interpretações individuais para um aluno ou outro em particular);
4 - o item de avaliação onde os alunos obtêm o maior desempenho de notas é justamente a "entrega de tarefas". A maioria dos alunos entende que "entregar tarefas", mesmo que copiadas ou mal feitas, é sua principal função no processo de aprendizagem e as "entregam" regularmente.

Todas as estatísticas das minhas salas estão disponíveis na Biblioteca Digital do meu site e, no menu da seção Alunos, estão os links para todas as planilhas de acompanhamento de atividades, provas e frequência dos alunos (que são computados em tempo real, durante as aulas, ficando sempre disponíveis na internet para consulta dos pais e responsáveis).

A sequência de ações pedagógicas ao  longo do primeiro bimestre, levada à cabo com todas as classes dos terceiros anos, foi, resumidamente, a descrita abaixo:
1 - acordos iniciais sobre avaliação, regras de convivência, uso do material didático, cumprimento de prazos e entregas de tarefas;
2 - apresentação da ementa do curso, dos materiais didáticos que serão utilizados e dos que estavam disponíveis para consulta na biblioteca e no meu site;
3 - aula prática, de laboratório, onde  foram feitos experimentos e demonstrações sobre eletrostática com a participação direta dos alunos e foi apresentado em paralelo o desenvolvimento histórico da eletricidade;
4 - resolução de problemas, discussão de tarefas e complementações sobre os conceitos estudados;
5 - aula teórica, tradicional, sobre o modelo atômico e os conceitos fundamentais de eletricidade;
6 - aula teórica, usando slides e datashow, sobre os processos de eletrização e o modelo atômico;
7 - resolução de problemas, discussão de tarefas e complementação sobre os conceitos estudados;
8 - aula teórica, retomando os resultados da aula experimental sobre eletrização e introduzindo os conceitos de força e campo elétrico;
9 - resolução de problemas, discussão de tarefas e complementação sobre os conceitos estudados;
10 - aula teórica sobre campos elétricos com apoio de datashow e uso de simuladores de campo elétrico;
11 - resolução de problemas, discussão de tarefas e complementação sobre os conceitos estudados;
12 - aula teórica, tradicional, sobre potencial elétrico;
*1 - em quase todas as aulas foram propostas atividades e tarefas para casa, foram dadas orientações de estudo no livro didático e propostas de atividades usando-se o caderno do aluno (oferecido pela SEE e que contém algumas atividades);
*2 - ao longo do bimestre foram feitas duas avaliações escritas, sendo uma substitutiva da outra;
*3 - em todas as aulas há rodadas de dúvidas sobre as tarefas, atividades e conteúdos trabalhados no dia;
*4 - todas as abordagens, principalmente nas aulas teóricas, foram contextualizadas.

Para quem não transita muito na área de educação, a sequência acima, resumidamente, inclui: aulas expositivas tradicionais, porém contextualizadas; aulas de aplicação com resolução de problemas contextualizados e discussões; aulas com uso de TICs e recursos "modernos" diversos; e aulas de laboratório com experimentação e discussão de resultados. Isso é "mais ou menos" o que os teóricos consideram com sendo "aulas modernas" e "interessantes" para os alunos. Mas, como vemos, não foram tão interessantes assim...

Como parte de uma prática pedagógica democrática e dialógica, fiz nessa semana  que termina, o comentário da avaliação com os alunos, a exposição de notas e estatísticas, o meu diagnóstico de cada classe e, claro, abri a discussão para os alunos para que juntos possamos encontrar outros caminhos, talvez mais promissores, em busca de uma aprendizagem mais significativa.

As discussões foram bem conduzidas e terminaram todas em bons termos, sem debates acirrados, defesas intransigentes ou acusações mútuas. Para começo de conversa eu assumi, como faço nesses artigos, "mea culpa, mea maxima culpa" (veja a oração confiteor - "eu confesso" - no início do artigo), e solicitei aos pequenos que me ajudassem então a fazê-los aprenderem mais e melhor.

Os resultados dessas discussões são tão curiosos que mereceriam um romance à parte. Alguns alunos de pronto assumem que não estudaram nada mesmo, que trapacearam na entrega das tarefas, que faltaram da escola mais do que precisaram, que não estiveram devidamente atentos às aulas, que não fazem perguntas quando têm dúvidas e que, finalmente, não se importam mesmo se aprendem ou não. Eles querem apenas sair da escola.

Alguns começam defendendo minhas aulas, dizendo que gostam delas, que entendem o que eu explico, que gostam dos experimentos, das aulas modernosas com uso de TICs e da metodologia em geral, mas que mesmo assim não conseguem entender bem os conceitos, não sabem fazer contas, não conseguem ler o livro didático, desanimam na hora de fazer as tarefas e acham que pecisam se empenhar mais... mas raramente se empenham no próximo bimestre. Eles querem apenas sair da escola.

Há também a turma dos que não acham nada, cochilam durante essas conversas, não acreditam que possam contribuir com nenhuma discussão, não esperam que nada seja mudado e aceitam que tudo é como deveria ser mesmo, e ponto final. Eles querem apenas sair da escola.

E, por fim, há a turma onde se insere aquele meu aluno, citado no artigo anterior, que acha que a culpa é realmente minha, maximamente minha. Esse aluno e sua turma reivindica uma aula mais simples, sem muita discussão de conceitos, onde o professor "passa exatamente aquilo que vai pedir em seguida", de maneira que ele possa copiar e colar, reproduzindo o que lhe foi dado. Essa turma reclama que a linguagem do professor é "muito complicada", que os textos são muito difícieis e longos, que o professor não lhes explica devidamente como "fazer as contas" ou, pior ainda, que explica como fazer "-3-(-2)" mas depois dá uma conta totalmente diferente, como "-3-(-4)" e então causa a maior confusão. Essa turma sugere que eu pare com essa história de "autonomia de aprendizagem", "domínio de leitura", "capacidade de análise", "treinamento de técnicas", etc., e que me concentre no que é realmente importante para eles: copiar, colar e  devolver o que foi colado no caderno. Eles querem apenas sair da escola.

Esse aluno, que atribui somente à mim a culpa de suas notas péssimas, sugere nessa discussão que eu "abandone os livros didáticos, as teorias pedagógicas, essa 'coisa de inovação', que fale a linguagem da galera, deixe de enrolar explicando um monte de coisas que ficam confusas na cabeça dele e 'passe' apenas aquilo que depois vou pedir para ele na prova". Ele, e sua turma, defendem que tiveram excelentes professores que usaram excelentes métodos de ensino nos anos anteriores, professores com os quais sempre tiveram boas notas, embora não se lembrem de nada do que aprenderam e não sejam capazes de fazer as operações mais básicas, como somar e subtrair números inteiros ou ler parágrafos com mais de três linhas.

Além dessas sugestões, recebi outras, como passar filmes, que é mais divertido do que ter aulas, fazer mais aulas de experimentação, mas sem teoria por trás, e deixar de usar o livro didático, copiando na lousa apenas o que "vai cair na prova" e "explicando a matéria da lousa e, a seguir, dando  um exercício do mesmo tipo valendo nota". Claro, abolir as provas também é uma sugestão sempre recorrente.

Que leitura podemos fazer disso tudo?

Os nossos grandes pedagogos acreditam que nossos alunos não aprendem porque têm aulas sempre chatas, monótonas e tradicionais, mas os meus alunos, que adoram aulas diferentes, parecem que não aprendem muita coisa com elas. Nossos teóricos dizem sempre que devemos ter uma relação dialógica com os alunos, que devemos ouvi-los e atendê-los, mas o que os meus alunos parecem querer é justamente um modelo de ensino que esses mesmos teóricos dizem ser ultrapassado: aquele em que você finge que ensina, o aluno finge que aprende e o governo finge que paga. Os alunos não querem ler textos (principalmente os grandes - entenda-se uma página inteirinha!); não querem atividades reflexivas, onde tenham que pensar algo; não querem atividades práticas que impliquem em ler roteiros, compreender a teoria por trás do experimento e tirar conclusões à partir dos dados; não querem contextualizações, interdisciplinariedade ou transdiciplinariedade; eles não querem a educação que queremos dar a eles! Eles querem apenas sair da escola e, enquanto não saem, gostariam de não serem perturbados por professores que lhes obriguem a ler, pensar, escrever e tomar posição.

Eu tendo a achar que esse meu aluno "rebelde" é mais sábio que todos os educadores que já li até hoje, incluindo aí todos os grandes nomes. Esse aluno, quando sugere que eu rasgue os manuais pedagógicos, jogue os livros didáticos no lixo, deixe de querer contextualizar, exemplificar e "florir" os conceitos, ele quer que, ao invés disso, eu passe a ser bem mais objetivo para os propósitos dele, aluno: sair logo da escola. Ele não gosta dessa escola "nova", com tecnologias, aulas diferentes e paradigmas esdrúxulos, como "aprender a aprender". Ele não sente que precise aprender algo, nem sequer acha que "pode" aprender algo. E, por isso, quer sair logo da escola.

O governo concorda com ele, em termos: porque também quer que ele saia logo da escola. Nós, professores, também concordamos com ele, em termos: porque também queremos que ele saia logo da escola. E tem sido assim desde que ele entrou na escola. De ano para ano ele veio sendo "empurrado para fora da escola", tem copiado, colado e entregue, e tem sobrevivido e progredido continuamente dentro desse modelo de exclusão pedagógica. Seria justo que agora, no fim de sua escolarização básica, eu aparecesse para lhe dizer que ele tem que ver a vida sobre outro prisma? Que o mundo mudou e exigirá dele mais do que exigiu dos seus pais? Que não será um mundo tolerante com pessoas inaptas para a aprendizagem contínua?

Não parece justo. Não parece justo exigir dele mudanças de paradigma justamente agora. Não parece justo lhe pedir para fazer coisas que não tem feito até então (como ler, pensar, dialogar, perguntar e debater). Não parece justo usar novas tecnologias com quem se enxerga excluído delas. Não parece justo querer mudar a visão de mundo de alguém que já pensa ter todas as respostas corretas.

Pelo menos é exatamente assim que pensaram seus professores, quando lhes foi dito, há décadas, que eles precisavam contextualizar suas aulas. Eles não o fizeram, e esse meu aluno sente que aprendeu mesmo assim. Então porque deveríamos contextualizar algo agora?

Quando seus professores lhe mandavam copiar da lousa para o caderno e, depois, para a folha de exercício ou para a prova, ele o fez. Porque teria que fazer algo diferente agora? Ele teve bons professores!

Por anos e anos ele não precisou ler, nem escrever e nem fazer contas. Raramente teve tarefas, provas e avaliações, e quando as teve não precisou se preocupar em fazê-las realmente. Ele apenas copiou e colou. E foi aprovado, ano após ano, sem que nunca ninguém tivesse a coragem de lhe dizer que ele estava apenas mudando de série escolar e de ano no calendário, mas que continuava no mesmo estágio de aprendizagem do ano anterior. Seus professores não lhe disseram isso, seu governo não lhe disse isso, e todos receberam seus salários da mesma forma.

Agora eu o tenho como aluno e, por isso, ele e sua turma viverão essa injustiça ao longo de todo o ano. Infelizmente eles terão que ler textos (até mesmo de uma página inteira!), farão provas e só conseguirão boas notas quando aprenderem e compreenderem os conceitos, terão tarefas para entregar e prazos para cumprir, ouvirão explicações "chatas" que teimam em contextualizar os conceitos, serão submetidos a aulas com tecnologia, inovação e atividades em laboratório, inclusive com roteiros e teoria! Eles ainda vão sofrer muito  comigo, e eu serei extremamente injusto com suas pretensões de "serem deixados em paz". Eu não vou deixá-los em paz!

Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa!

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Hora do pesadelo

Fim de bimestre costuma ser quase sempre uma releitura do filme "A hora do pesadelo", com a diferença de que não é preciso dormir e o Fred vem vestido de "vermelho abaixo da média".

Desde que a geração dos Filhos Bastardos da Progressão Continuada começou a chegar no Ensino Médio, há cerda de uma década, assistimos estarrecidos a um show de horrores de moços e moças que após 10 anos frequentando a escola ainda não aprenderam a ler, escrever, somar, subtrair, multiplicar e dividir. Mas isso está longe de ser o maior crime que cometeram contra esses coitados, o pior mesmo foi tê-los transformados em bactérias estudantis.

Como todos sabemos, as bactérias só sabem reproduzir, não têm um propósito certo para isso e nem para mais nada e, embora não sejam mal humoradas, mal educadas, e nem vivam tendo crises existenciais adolescentes, elas também são chatas pra caramba!

Alguns dos nossos pobres alunos acabaram sendo reduzidos à condição de bactérias estundantis e agora acabam se comportando exatamente dessa maneira: reproduzem tudo aquilo que podem, não compreendem quase nada, não se importam com quase nada, não têm objetivos nem ambições onde a escola se encaixe de alguma forma e, muitas vezes, são adolescentes chatos e estressados. A gente os ama, mas nem todo o amor de um professor poderia nos cegar a ponto de negar que alguns (muitos) deles sejam realmente "péssimos alunos".

Não que sejam culpados de algo, são antes vítimas que nem mesmo têm consciência do que lhes fizeram, mas são vítimas que perigosamente passarão ao papel de algozes de outras vítimas em um futuro não muito distante. Esse é o poder e a desgraça da Educação: ela molda carácteres, forma pessoas para o mundo e pincela o esboço do quadro daquilo que seremos no futuro... Para o bem, ou para o mal, ela pode libertar ou agrilhoar, trazer à luz ou imergir nas trevas e, quer queiramos ou não, cada um de nós é um tijolo desse portal ou desse muro.
Nessa semana passada vivenciei uma cena meio démodé: um aluno do terceiro colegial que, após conseguir a façanha de obter nota 1,5 em uma prova "realmente fácil", e que valia 10, sacou do fundo de sua insatisfação a estratégia de "transferência de responsabilidade", questionando se o fato dele e de vários outros colegas terem obtidos resultados muito ruins não significava que, na verdade, o problema era "meu" e não "deles".

O garoto quase acertou: o problema é mesmo meu, mas também é dele, dos seus pais, de todos os professores que ele já teve e, muito em breve (ele já está terminado o colegial!) também será de todos aqueles que acham que a Educação é problema apenas da escola, mas que viverão no mesmo mundo desse meu aluno e de seus amigos.

A incapacidade de ler, escrever e fazer operações aritméticas básicas é chocante, mas nem de longe preocupa tanto quanto a trágica incapacidade de aprender a aprender com que moldaram toda uma geração "Copy & Past". E olha que não estou falando do uso do computador e da internet não, estou falando de copiar da lousa e colar no caderno para dizer mais tarde que "tem a matéria" e "aprendeu aquele conteúdo", e depois, reproduzir em provas exatamente aquilo que copiou (razão pela qual inventaram a "cola"). E, por fim, acabar por acreditar que qualquer coisa diferente disso é um "erro" do professor que "não consegue fazer o aluno tirar boas notas".

Curiosamente, boas notas também não são coisas importantes para a maioria desses alunos. Muitos conseguem boas notas sem nenhum esforço e outros se conformam com o fato de que, independentemente de terem ou não boas notas, serão empurrados adiante de qualquer forma e acabarão equiparados aos demais. Parece até democrático que os alunos sejam "homogeneizados pelo processo" e caminhem todos juntos rumo aos seus certificados, mas seria verdadeiramente libertário se eles caminhassem de fato, ao invés de serem apenas carregados e depois jogados fora da escola, embrulhados (literalmente) por um certificado que não tem nenhum valor e com seus destinos traçados para virarem mão de obra barata e estatística favorável para esconder um sistema de ensino falido.

Evidentemente eu não me zanguei com o aluno e sua aparente rebeldia e falta de polidez, e nem poderia. Se ele soubesse porque tem notas tão ruins, e fosse capaz de aprender a aprender sozinho, ele certamente não precisaria de mim para ajudá-lo. Se seus amigos também se tornassem capazes de sonhar com dias melhores, traçar objetivos para o futuro e fazer análises sobre as causas que os desmotivam, então além de não precisarem de mim para ajudá-los a aprenderem a construirem um futuro melhor para todos, também nos livraríamos, enfim, de políticos estúpidos que acreditam que para construir estradas precisam demolir escolas.

Enfim, a escola liberta, mas os passáros nascidos e criados em gaiolas temem mais o céu do que as grades que lhes acolhem. Por mais absurdo que pareça, cabe a nós, professores, empurrá-los na marra para fora dessa prisão.

domingo, 28 de março de 2010

Quando todos estão errados, alguém precisa fazer a coisa certa

Publiquei diretamente no meu site um artigo intitulado "Quando todos estão errados, alguém precisa fazer a coisa certa" discutindo a greve dos professores e a polêmica foto do professor carregando o soldado machucado durante a manifetação de 26/03/2010 nas imediações do Palácio do Bandeirantes. Também há outras imagens bastante simbólicas ao longo do artigo.

Convido à todos para a leitura e reflexão.

quarta-feira, 24 de março de 2010

E, enfim... Estamos em greve!

Parece que meu post de ontem "teve poderes místicos". Entramos em greve. :)

A partir de hoje, 24/03, e até que decidamos encerrar nossa greve ou voltarmos individualmente ao trabalho, para todos os efeitos, a quase totalidade do corpo docente da nossa escola decidiu aderir à greve conjuntamente. As razões podem ser individuais e as mais variadas, mas desconfio que uma boa parcela da motivação para entrar nessa greve deva ter sido dada pelo nosso amado Secretário da Educação, o Sr. Paulo Renato, e o conjunto de malvadezas que o governo Serra vem promovendo na educação paulista.

Desde o início da greve nosso secretário vem batendo nos grevistas em todas as entrevistas, insistindo que a greve não tem mais do que 1% de adesão e que está sendo motivada "apenas" por razões políticas (como já discuti no post anterior). Por razões didáticas talvez queiramos ensinar o nosso Secretário a contar usando números maiores do que "1". Que tal 50%, 60% ou mesmo 80%?

Além disso, e da "pauta de reivindicações" (deveras esdrúxula, devo concordar), parece que outras provocações ocorreram: como barrar, ainda na estrada, os ônibus dos professores que foram à São Paulo na última manifestação e intensificar uma campanha publicitária (que deve ter custado baratinho baratinho) mostrando todas as glórias obtidas na educação paulista, como se todos devêssemos estar contentes e satisfeitos; ou a proibição de que as escolas divulguem o número de grevistas para os jornais, ou a ameaça de "prejudicar o bônus" dos professores grevistas, etc., etc. Razões muitas ele tem dado (nem parece que é do mesmo partido que o Serra - mas não se iludam, ele é).

Ou talvez, ainda, tenha alguma relação com o fato de que as "supostas melhoras" apontadas no Saresp e divulgadas recentemente (e que foram, na verdade, ridículas) devam-se unicamente ao brilhantismo da Secretaria de Educação que, ao que parece, decidiu criar leis que proibem professores de ficarem doentes (e por isso agora eles não faltam mais ao serviço), "implantou um currículo" (como se não houvesse currículo  nas escolas paulistas nos 14 anos anteriores de governo do PSDB!!! Que vergonha...)  e distribuiu apostilinhas para "encinar" (sic sic sic!!!) os professores a darem aulas... E seguem-se ainda um número absurdo de outras barbaridades e malvadezas que não terei estômago para listar aqui.

Enfim, acho que nosso secretário acabou conseguindo o que queria (???) e irritou ainda mais os professores. Ou talvez o "gado" tenha percebido que tem força e está em maior número, e esteja enfim se insurgindo, sob os auspícios encorajadores de um ano eleitoral - mas ainda assim não deixa de ser uma boa notícia. De qualquer forma, estamos em greve também.

Como a imensa maioria dos professores da nossa escola aderiu à greve de uma única vez, hoje, e pelo resto da semana, pelo menos, não deveremos ter aulas, pois é impossível substituir a quase totalidade do corpo docente da escola por professores eventuais (que, aliás, são raros, ainda que não sejam caros). Além disso, os poucos professores que não puderam aderir à greve por razões pessoais e justificáveis, não deverão ter alunos, já que estes e seus familiares, na nossa escola, historicamente têm apoiado o corpo docente nesses movimentos reivindicatórios.

No meu site (Cantinho do Prof. JC) dou mais algumas informações específicas aos meus alunos sobre como proceder em relação às minhas aulas, mas aproveito para adiantar aqui que enquanto meus colegas da escola estiverem decididos a manterem essa greve, meu propósito e estar ao lado deles.

Tenho também a impressão de que o movimento grevista está ganhando força ao invés de perdê-la, e que todo escárnio com que os professores têm sido tratados está servindo como um bom fermento. Por isso creio que em muito breve a grande mídia (aquela que tem seus contratos milionários com o governo) acabará tendo que noticiar esse crescimento.

Por fim, embora eu continue duvidando que essa greve vá para além do dia 31/03 (quando o governador José Serra se descompatibilizará, entregando o governo para seu vice), eu gostaria muito de vê-la indo até o limite em que algumas das reivindicações (principalmente as salariais) fossem negociadas em bons termos. Ainda que sem muita esperança, vou ficar na torcida para que a facção pelega do sindicato não se ajoelhe antes da hora.

Aguardemos as novidades...

terça-feira, 23 de março de 2010

A greve e a escola paulista: uma redundância

Este é um comentário que deve gerar prós e contras (coisa rara nos meus blogs - excessivamente pasteurizados), mas eu não poderia deixar passar em branco esse momento histórico. Falo da greve do sindicato, da greve da escola e da greve do governo paulista.


A Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) decretou greve em 08/03. Uma greve sobre a qual ninguém me consultou antes (e nem depois). Vai ver deve ser porque para o sindicato eu não tenho mesmo nenhuma importância como professor, ou porque deva existir muitos professores mais competentes no sidicado para decidirem por mim o meu destino sem prévia consulta. Aliás, também é isso que todos os governos fazem, não é? Depois de eleitos eles decidem os nossos destinos porque se dizem possuidores da "legitimação das urnas", tanto quanto os sindicalistas se dizem possuidores também de tais poderes. De qualquer maneira, não fui consultado.

Greve na Educação nunca surtiu muito resultado, nem mesmo nos tempos em que o sindicato era realmente representativo e tinha respaldo. Tanto isso é verdade que temos um governo que está em greve há quinze anos (esse é o tempo que os tucanos estão recebendo salários sem trabalhar, segundo a concepção tucana da ex-secretária de educação de São Paulo, Rose Neubauer, e do secretário atual, Paulo Renato, para quem é preciso valorizar o mérito - e que mérito há em um governo que há quinze anos só tem piorado a educação paulista?) e, apesar da greve do governo, as escolas continuam funcionando (bem mal, é verdade, mas funcionam).


A grande mídia, que assinou com o governo contratos gordos no ano passado (e anteriores), se um dia fez jornalismo, esqueceu-se como se fazia. Com exceção da publicação de "notas oficiais" e de "artigos de opinião" assinados por indivíduos cuja opinião costuma vir pautada por suas relações com o governo, raramente se deu ao trabalho de fazer um jornalismo investigativo sobre a situação da educação paulista. Então ficamos entre informações do tipo "Apeoesp diz que 63% dos professores estão em greve" e "Secretário da Educação diz que apenas 1%" dos professores estão em greve. Você escolhe se quer fazer uma média aritmética ou se arrisca seu próprio palpite.

No entanto, ainda que apenas 1% dos professores estivessem em greve, e que isso representasse apenas 1% dos alunos sendo prejudicados (algo na casa dos 50.000 alunos!), será que esse seria um "prejuízo menor" que o Secretário de Educação e o Governador poderiam simplesmente desprezar?

O governo tem o descaramento de sugerir que os professores, os alunos e a sociedade estão satisfeitos com as condições com as quais sobrevivem os professores e as escolas e que, portanto, essa é uma greve apenas política. Oras, toda greve é política e se "ser político" for assim tão mal, como o senhor Governador e o senhor Secretário se definiriam? Artistas talvez? Por outro lado o sindicato diz estar defendendo os interesses da categoria, mas de qual categoria ele fala? Na pauta de reinvindicações só faltou pedir máquina de café capuccino "free", como as que se encontra nos corredores da Secretaria de Educação, e eu não duvido nada que essa greve tem data certa para acabar: 31/03/2010 - quando o Serra se descompatibilizar oficialmente e deixar de responder pelo governo de São Paulo. E eu, que não tenho capucino free e nem faço paralizações na colônica de férias da Apeoesp é que sou obrigado a levar tijolada?

Aqui, na minha escola, até semana passada me parece que tínhamos 0% de grevistas. Mas há outras onde há realmente 100% de paralisação. Porque tanta diferença? Seríamos nós, daqui da minha escola, tucanos entreguistas, alienados, descompromissados e traidores da nossa "categoria"? E na escola 100% paralisada, teríamos lá uma concentração de petistas xiitas da CUT com especialização em terrorismo em Cuba? Se deixássemos isso para a mídia decidir ou para a presidenta da Apeoesp e o Secretário de Educação, resolverem, provavelmente essas seriam as conclusões.

A verdade é que me parece que as opiniões divergem muito quando se trata de posicionamento político e, principalmente, político-partidário. Não deixamos de entrar nessa greve, até agora, por razões político-partidárias e nem porque somos alienados, mas simplesmente porque não queremos servir apenas de massa de manobra, nem para o Secretário, nem para o Sindicato. Prezamos a categoria, lutamos por nossos direitos e respeitamos os nossos alunos (que são, verdadeiramente, os únicos que merecem nosso respeito). Não acreditamos em ambos, sindicato ou governador, e toda essa "descrença" é fruto de um longo aprendizado... E pelo menos para isso a escola nos serviu nesses anos decadentes de tucanato.

Semana passada recebemos o comando de greve local, que veio com um ônibus inteiro nos visitar.  Nos ofenderam um pouco, mas estamos acostumados e sabemos relevar. Continuamos sem explicações  minimamente convincentes e com a impressão de que "não temos reais motivos para aderir a ESSA greve". Mas é claro que podemos mudar de opinião e, na verdade, eu mesmo adoraria ter participado de várias greves que o sindicato deixou "passar em branco" (porque será?) na época em que elas fariam todo o sentido. Há bem pouco, tendendo a quase nada, do que foi feito por esse governo que mereça algum aplauso. E menos ainda que tenha sido feito pela Apeoesp.

Nesta semana talvez entremos em greve, talvez não. A decisão é nossa, não é do sindicato e nem do governador. Mas se entrarmos não será apenas para marcar um pontinho inútil para um sidicato que só enxerga o seu próprio umbigo político, e se não entrarmos não será porque achamos que o governo Serra (e seus antecessores tucanos) tenha merecido os seus salários. Na verdade seria muito bom poder nos livrar dos dois, sindicato e tucanos, e optar por uma terceira via... Mas aí somos sempre pisoteados nas urnas das eleições governamentais e das eleições sindicais.

De qualquer forma, quinta-feira sai o "bônus" dos professores. Desconfio que teremos então um motivo a mais para essa e outras greves. :)

sábado, 6 de março de 2010

Taylor, Ford, Fayol e os canudinhos divertidos

Nessa semana que está acabando tive que fazer um realinhamento de cronograma entre as minhas  turmas, pois começaram em semanas diferentes. Realinhar cronograma é fundamental para se poder trabalhar "fasado" e poder aplicar as teorias de Taylor, Ford e Fayol na Educação. Claro, eles não tem nada a ver com a educação, mas como tem muita gente mandando na educação que também parece nunca ter entrada em uma sala de aula "normal" para lecionar, nada mais justo do que citar esses grandes pensadores da era do capitalismo industrial no contexto da nossa escolinha.

Taylor, Ford e Fayol são ícones da fase industrial do capitalismo. Eles estudaram e produziram muitas inovações nos "métodos de produção" objetivando aumentar a produtividade das fábricas por meio da padronização, da mecanização e da especialização de tarefas. Essas coisas são completamente desconhecidas no âmbito da escola, especialmente a pública, onde tudo se faz pelo improviso, e nem são posições teóricas modernas, mas aplicam-se ao contexto escolar quando temos que trabalhar com várias turmas e com muitos alunos por turma.

Esquecendo um pouco as teorias da administração e passando rapidamente para a pedagogia do arroz-com-feijão, convenhamos, alunos adoram uma boa diversão! Esse foi o mote para as aulas iniciais sobre eletricidade. Brincamos com canundinhos!

Com um Kit Básico (ainda vou escrever um artigo sobre o "Kit básico do professor pobre da escola pública"!) contendo canudinhos plásticos de refrigerante e um rolo de toalhas de papel é possível explicar desde as orígens da eletriciade (âmbar, gregos.. lembra-se?) até conceitos complexos, como a dependência da força elétrica com o inverso do quadrado da distância entre as cargas, os campos elétricos e o princípio da indução eletrostática. Ufa! Um viva aos canudinhos!

Com um pequeno investimento no valor de uma hora-aula (sim, temos que tirar dinheirinho do bolso para trabalhar, mas já estamos acostumados... deixa prá lá, os políticos vão bem, obrigado) pode-se adquirir esse kit básico. Mas cuidado! É preciso escolher bem os canudinhos (eles têm que ser finos para funcionarem bem) e comprar um "pacotão", pois a intenção dessas aulas não é demonstrar alguns fenômenos elétricos e sim fazer com que o aluno vivencie esses fenômenos e, literalmente, sinta na pele o poder da força elétrica; razão pela qual cada aluno deve receber dois canudinhos e uma folha de papel toalha.

O procedimento é simples: atrita-se um canudinho com o papel toalha e pronto! (Ah, que pena, eu não vou poder dar uma oficina de uso de canudinhos agora). O canudinho eletrizado nos permitirá demonstrar uma infinidade de fenômenos elétricos e servirá de base para várias retomadas teóricas quando formos tratar dos diversos temas do currículo ao longo do ano. Algo realmente simples e muito poderoso.

O resultado é sempre o mesmo: alunos felizes se divertindo com os canudinhos, grudando-os nas paredes, puxando os cabelos dos colegas, fazendo várias experiências "inimagináveis" e despenjando um caminhão de perguntas do tipo: porque gruda em tudo? É como um ímã? Quanto tempo vai ficar grudado na parede? E por ai vai...

Isso é mais ou menos o sonho de todo teórico da pedagogia, não é? Quem não quer ter alunos envolvidos, fazendo experimentos por conta própria, elaborando perguntas, tentando explicações, etc.? 

Evidentemente eu gostaria muito de dispor também de um gerador de Van der Graff, mas se já tenho que abrir mão de 12,5% do meu salário (referente às aulas em que a atividade se dá) só para poder comprar canudinhos baratos e papel toalha vagabundo, imagine o rombo orçamentário que eu teria para adquirir um gerador desses? E nem pense em fazer um você mesmo porque isso demanda um tempão e nem sempre funciona lá muito bem quando é "feito em casa".

O fato é que os terceiros anos ficaram felizes e minha programação também, pois agora posso passar rapidamente pelos processos de eletrização, indo até o conceito de campo elétrico, tendo como parâmetro a própria experiência vivenciada pelos alunos.

Já o primeiro ano teve aulas mais teóricas, mas ganhou um filminho curto projetado com o datashow entremeio mapas conceituais. Eles não sabem ainda, mas logo logo vão ter uma sessão de desenho animado com o Papa-Léguas. :)

Enfim, é preciso fazer alguma mágica para ensinar alguma coisa para os alunos no tempo miseravelmente curto de que dispomos (Fala sério! Com duas aulas de física semanais + burocracia estúpida para preencher + feriados emendados pelo patrão + tempo de dedicação a problemas do aluno que não dizem respeito à disciplina + etc. + etc. + etc... Quem consegue tempo, eu disse TEMPO, para oferecer um pouquinho de conhecimento a mais para os coitados dos alunos? Tem professor que até fica nervoso quando o aluno faz perguntas porque ele, professor, sabe que não tem tempo e não sabe que o pouco tempo que tem é para justamente atender ao aluno e não apenas a um currículo falsificado). Deixa pra lá...

Semana que vem tem mais. Agora os terceiros anos vão ter que "aprender a usar o livro didático" (sim, temos que ensinar isso também) e terão algumas explicações teóricas baseadas na vivência da atividade que fizeram sobre os processos de eletrização, além de adquirirem a terminologia necessária para o resto das aulas. Talvez sobre tempo para dar um pulinho no nosso laboratório improvisado para conhecerem o multímetro. Quem sabe...

Já o primeiro ano vai passar por uma tortura horrível! Os pequeninos verão que na física é preciso fazer contas de adição, subtração, multiplicação e da temida "divisão que dá número quebrado" (sic sic sic - tô fora dos números quebrados!).

De resto a escolinha caminha bem. Alunos cada ano mais envolvidos e "pacíficos". Claro, tem sempre uns mais animadinhos, mas no funbdo são eles que tornam a vida mais interessante.