quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

E agora, Dona Maria?

Nos boletins de notícias que assino e recebo pela Internet, raramente recebo alguma informação que possa ser considerada "boa" quando se trata de Educação. Acabei de ler, agorinha mesmo, que "Somente em cinco capitais alunos de 4ª série atingiram objetivos de aprendizagem em português; no Rio, situação piorou" (fonte: O Globo).

Até aí quase nenhuma novidade. A novidade mesmo é que a realidade nua e crua da escola pública continua sendo uma ilustre desconhecida de muitos que falam em seu nome, publicam artigos opinativos na mídia ou mesmo teses e papers acadêmicos. E porque estou dizendo que isso, que não é novidade alguma, é a única novidade? Porque curiosamente ainda há quem se espante com números péssimos como esses e acredite que eles poderiam ser melhores por decreto ou pela aplicação mágica de alguma política educacional de última hora.

Vamos a um exemplo mais concreto:

Hoje pela manhã tivemos a aplicação das avaliações diagnósticas de português e matemática para os alunos das primeiras séries do Ensino Médio nas escolas públicas paulistas. O objetivo dessa avaliação é detectar os alunos que têm deficiências de aprendizagem nessas duas disciplinas para encaminhá-los para uma recuperação paralela a ser realizada no contra-turno. Até aí tudo parece perfeito.

Eu acompanhei essa avaliação em uma classe de primeiro ano e percebi que a maioria dos alunos não conseguiu resolver as questões de matemática. Não sei como foram na redação (que era a avaliação de português). Mais tarde o professor de matemática, após corrigir as avaliações de duas dessas classes, foi subitamente tomado de uma idéia um tanto inusitada: mandar para a recuperação paralela do contra-turno apenas os alunos que não tiveram um resultado altamente deplorável e deixar os demais no período normal. Achei estranho, embora original, a proposta do colega, e quis saber melhor o motivo que o levou a fazer essa sugestão. Curioso foi descobrir que a explicação é muito mais "estranha" do que a proposta em si.

Acontece que apenas 20 alunos poderão ser encaminhados para essa recuperação paralela e, portanto, em uma única sala com 35 alunos já esgotaríamos as "vagas" para a recuperação paralela de matemática. Pelo que o professor detectou nessas duas classes onde já terminou a correção, com exceção de um ou dois alunos por sala, todos os demais tiveram resultados bem abaixo do medíocre. E a situação é tão complicada que juntando-se os resultados "pelo menos medíocres" das cinco salas a expectativa é que não se consiga, nem de longe, vinte alunos.

Assim, se os alunos com resultados "pelo menos medíocres" fossem mandados para o contraturno para terem aulas "normais" e todos os 95% restantes, e abaixo da linha de mediocrididade, fossem deixados no turno normal, o professor poderia dar a recuperação paralela para esses últimos todos e o professor encarregado da recuperação paralela no contraturno poderia dar aulas normais para os alunos com rendimento "pelo menos medíocre".

É óbvio que isso tudo não passa de uma grande piada, pois na verdade não poderemos fazer isso, mas convenhamos que é uma piada de extremo mau gosto. Se 95% dos nossos novos alunos, que estão chegando agora no Ensino Médio, estão abaixo da linha de mediocridade na disciplina de matemática, como é que eu vou lhes ensinar Física? Como vão aprender Química? Como é que o professor de Matemática vai lhes ensinar os conteúdos do Ensino Médio para sua disciplina?

E, se apenas 20 alunos poderão fazer a recuperação paralela, como vamos selecioná-los? Por sorteio? E os demais (aproximadamente 100 alunos) com resultados igualmente péssimos e que não forem sorteados? Não precisarão também de uma recuperação? A propósito: qual recuperação conseguirá fazer em algumas semanas aquilo que o ensino fundamental regular não conseguiu fazer em oito anos?

Por fim, se a função do Ensino Médio é ensinar para os alunos que estão ingressando agora tudo aquilo que eles precisariam ter aprendido nos oito anos de progressão continuada e que não aprenderam, porque simplesmente não extinguimos o Ensino Fundamental? Pelo menos reduziríamos os custos e manteríamos o mesmo "padrão de qualidade", não é?

É claro que isso também é uma piada e, novamente, de muito mau gosto. Piadas de mau gosto, notícias desagradáveis, resultados vergonhosos e políticas educacionais equivocadas que nos brindam com tudo isso têm sido, como eu disse no início, as únicas "novidades" das últimas décadas. Infelizmente.

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